O Beijo

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Sheila Broflovski foi surpreendida, naquele fim de tarde, com algo que não lhe foi tão agradável. A sua frente, estava seu amado filho Kyle Broflovski sendo atacado por um beijo repentino de seu amigo, Eric Cartman. A mãe estava preocupada, sabia que Kyle já havia completado 15 anos e que essa era pra muitos a idade das descobertas, mas ainda não seria jovem de mais para ser gay? Gay... claro, o menino nunca havia arrumado namorada antes em toda sua vida, essa deveria ser a explicação. Mas mesmo assim, gay?! A família não saberia lidar com isso, ela não saberia. Pelo menos tinha seu filho mais novo, Ike, para assegurar que não faria o mesmo futuramente, seria pelo menos um filho que encobertaria sua decepção pelo outro. Decepção, dona Sheila? Os tempos mudaram, não seria esse um sinal para a mudança de seus pensamentos retrógados? Era o que ponderava, enquanto ainda olhava a cena sorrateiramente pela janela da sala.

Entretanto, se Sheila pudesse por telepatia ouvir os pensamentos de Kyle, estaria o resgatando daquela situação e espantando Eric para longe. Mesmo que para ele, o beijo de Eric conseguisse ser estranhamente macio, não era um beijo que diria ser de amor verdadeiro. Concluía que Cartman apenas o beijara como se não fosse nada, de forma provocativa, melhor dizendo. Um beijo para deixar Kyle irritado depois daquele dia tão agradável que tiveram juntos, um ato que serviria apenas para Eric gritar aos outros garotos "Eu beijei o Kahl e ele tem mau-hálito!". Começou antecipadamente a se irritar e se desesperar pela atitude do moreno, se sentia traído por sua amizade, e assediado pelo beijo. Não queria ser gay, muito menos com o fodido do Cartman, pensava quantos beijos traidores e assediadores poderia receber caso isso acontecesse com ele, e quantos momentos confusos esse relacionamento teria. Era óbvio que seria assim, já tivera muitos desses em sua lista de momento com Eric, e eles seriam apenas amigos até aquele momento, imagina se fossem mais?! Chegara a pensar muito como seria se fossem mais, em momentos anteriores nas suas denominadas "divagações antes do adormecer", mas pensava em muita coisa ao mesmo tempo nessas horas, então assumia serem indagações aleatórias que não se conectavam com seus verdadeiros sentimentos e emoções.

Kyle também se perguntava como Eric podia beijá-lo sem o amar. Deveria ser como o tipo de beijo que se dá antes de um término trágico, como o beijo que Randy Marsh, pai de seu melhor amigo Stan Marsh, dera a sua esposa Sharon antes de se divorciarem pra valer no dia de ação de graças. Ou poderia ser um beijo carente, que se dá quando sente que mais ninguém no mundo pudesse te amar, como o que Craig Tucker dera a Clyde Donovan semana passada, logo após seu ex-namorado Tweek Tweak terminar com ele. Mas isso tudo se encaixaria nesse contexto? Para o ruivo, era difícil imaginar Cartman fazendo isso por qualquer outro motivo que não fosse o de sacanear com a sua cara, e mesmo o encaixando em outra situação, não conseguia se sentir melhor com essas justificativas. Era perceptível que nada seria o suficiente para fazê-lo se sentir um pouco mais seguro, nem mesmo as próprias palavras de Eric seriam o bastante para o recuperar do baque imenso que aquele beijo causara em seu psicológico. Aliás, o que Eric falaria daqui pra frente? Dentro do coração de Kyle, estaria tudo sempre turbulento por conta desse imprevisto. Não saberia o olhar nos olhos, andar com ele como antes, ou passar horas sozinho no parque com ele depois da aula como tinham feito nesse exato mesmo dia. Mas Cartman sentiria o que? Faria o que? Estaria atordoado também? Apaixonado? Kyle sem dúvidas tinha muito o que pensar naquela noite, antes de seu adormecer.

As contemplações incomodadas da mãe e do filho Broflovski conseguiram se mover de ponta a ponta rapidamente, pois de fato, o beijo nem tinha sido tão longo. Eric se decepcionara ao se tocar que nem beijo era, estava mais para um selinho que ele tentara transformar em beijo colocando um pouco de sua língua para fora na esperança desta ser abraçada pela língua de Kyle, porém falhou na tentativa em vista que o Judeu se esforçou muito para não abrir sua boca. O resultado foi algo desajeitado, um beijo rápido onde Eric havia lambido os lábios de Kyle, que se afastou mais rápido ainda empurrando o menor. Não houve nem tempo de Eric iniciar seu discurso de amor verdadeiro que preparara por semanas, pois quando menos percebeu, seu amado já corria para porta de sua casa, a abrindo e se trancando lá dentro como Rapunzel na torre. Ali parado, Cartman notava a presença de Sheila na janela, que já tinha desviado sua atenção do lado de fora, e foi ligeira para o andar de cima da casa acalentar Kyle, que provavelmente teria se trancado em seu quarto.

Não sabia se ficava ali, deveria esperar? Mas esperar o que? Só queria uma reação diferente vinda dele, mas e se já houvesse estragado tudo que eles ainda nem tiveram? Só queria se esquentar no abraço de Kyle por horas, mesmo que tivesse de enfrentar a puta velha e gorda da mãe dele. Estava anoitecendo e ficando bem frio, por isso Eric pensou bastante sobre abraços apertados e bem quentinhos... mas a essa altura esperando sabe-se lá o que, no frio rude do Colorado, não é imprevisto que tenha começado a espirrar. Barulhos de passos começaram a invadir a rua, e Eric olhou pra trás na esperança de ser um super herói vindo o salvar de sua derrota como conquistador gostosão. Ficou feliz quando percebeu que era sim um herói, não um tão incrível e valente quanto o Guaxinim, mas era seu herói pessoal e melhor amigo Kenny McCormick.

Kenny amava passeios noturnos, costumava levar sua irmã para ambos fugirem das brigas de seus pais bêbados que sempre eram piores nesses horários, mas estava muito frio aquela noite, até começara a nevar, e ele não desejava que a pequena Karen pegasse um resfriado. Na sorte, encontrou seu melhor amigo Eric, mas ele não se encontrava no melhor estado que se pudesse imaginar. Kenny não compreendia por que o gordo estaria parado na frente da casa dos Broflovski, aparentemente congelando, as nove horas da noite. Se ele quisesse invadir, usava outros métodos, já fizera isso inúmeras vezes antes, então pra que ficar plantado ali? McCormick se aproximou de Cartman, que sorriu tremendo os dentes e os beiços, mal conseguindo se movimentar para fazerem seu toque especial de melhor amigo.

— Cara, o que você tá fazendo aí?

— Oi Kinny... – Disse com dificuldades, estava tremendo igual o Tweek. – Eu tô só relaxando cara... eu tô... eu queria ver o Kahl...

— Mas você tá congelando! E tá muito tarde, é melhor você ir pra casa.

— Pra casa...? Eu não posso, não posso ir, eu tenho que esperar o Kahl. Ele ainda vai sair, a puta judia da mãe dele deve estar o prendendo lá dentro..., mas ele vai sair Kinny!

— A quanto tempo você está esperando ele sair?

— Não sei, desde que começou a escurecer eu acho..., mas não importa cara! – Eric tentava gritar, mas sua voz estava começando a ficar fraca. Kenny sentia muito por ele, não fazia ideia sobre o beijo, mas já imaginava que poderia ser algo relacionado a paixão dele por Kyle, pois lembrara que o amigo o revelou este amor platônico semana passada. O balofo tinha feito um show aquele dia, gritava desesperado ao telefone dizendo para Kenny ir correndo até sua casa, pois precisava de ajuda e de conselhos para curar seu amor por Judeus ruivos de Jersey. Acabou com Kenny dormindo lá aquela noite, ouvindo as lamúrias e idolatrias de Eric para Kyle enquanto comia biscoitos com chocolate e marshmellows.

— Cartman, já são nove e meia da noite. Você tá parecendo o Capitão América de tão congelado que está! Eu te acompanho até sua casa, no caminho você me explica mais sobre o que aconteceu.

Eric protestou um pouco contra ir embora, mas estava tão vulnerável que foi facilmente arrastado por Kenny, que tentava o esquentar lhe abraçando de lado enquanto andavam. O silêncio se fez presente o caminho inteiro, mesmo com Kenny tentando animar o amigo e puxar assunto, Eric não parecia muito interessado em bater papo. Quando por fim chegaram à casa de Cartman, Kenny entregou o picolé de gente a Liane e se despediu desejando que tudo ficasse bem. A mãe de Eric estava super preocupada, o enchia de questionamentos: Por que tinha chegado tão tarde em casa? Por que estava congelando? Por que não respondia suas perguntas? Mesmo com o filho insistindo em não dizer nada, ainda cuidou dele como seu eterno bebê, preparando um banho quente, enchendo sua cama de cobertores e travesseiros e colocando um chocolate bem quentinho em sua mesa de cabeceira.

Quando foi se deitar, Eric não conseguia parar de recordar o que acontecera. Queria ver Kyle, queria que ele tivesse saído e o encontrado de novo em seus braços, ou que pelo menos eles fingissem que nada adveio. Só queria tê-lo, de algum jeito, pois doía muito o esperar sem resposta, congelava seu coração e dificultava sua respiração. Naquela noite, Eric Cartman havia dado nome a seus pensamentos antes de dormir, e não foi "divagações antes do adormecer", foi "Kyle Broflovski".

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