Prólogo

42 4 3
                                    

As vezes eu me pergunto, o que aconteceria se eu tivesse matado o meu irmão, será que eu ainda teria esse sentimento de culpa?


Em pé, de frente para ele. Eu vi a minha vida passar diante dos meus olhos. Eu ouvi com atenção os sapatos contra o concreto, os grilos nos arbustos. O vento contra as árvores.

Meu pé esquerdo estava na frente do direito, meus ombros tensos e com o braço esquerdo levemente flexionado, eu segurava uma pistola preta, de calibre 36. O  barulho que indicou que ela estava destravado e o meu dedo indicador trêmulo, levemente pressionado sobre o gatilho. E ele estava calmo, e me encarando como se fosse superior, e eu realmente acreditei que ele era.

Desde que eu me lembro por gente, eu estava com ele. Quando eu acordei pela primeira vez que eu me lembre, eu estava desesperada — sem motivo aparente, na época —. E a primeira coisa que eu vi, foi ele dormindo na cadeira de acompanhante no hospital.

A pele dele era branca como neve, a pessoa mais branca que eu já tinha visto, mas o cabelo dele era preto e liso, bem liso e ele era alto. Até demais para ser o meu irmão, e não, ele não era coreano. Seus olhos estavam marcados com grandes olheiras e naquele momento, eu só sabia o nome dele.

Eu não era nada, nem ninguém e estava com tanto medo, mas eu chamei ele pelo nome. O mais engraçado, é que eu não sabia nem meu nome. E estava sem senso de profundidade e com visão unilateral.

Metade do meu rosto estava enfaixado, minhas duas pernas quebradas e três fraturas na costela. Isso que é vida, não? Eu tomei um dano cerebral fodido, daqueles que nem a ciência cura. E olha, eu voltei a enxergar depois de ter meu olho arrancado, então o bagulho no meu cérebro foi foda.

E meu irmão estava lá, era engraçado lembrar apenas dele. De tudo que era mais sagrado, eu não sabia o meu nome, porra! Eu não sabia minha idade, nem se tinha família. Era só o Nathaniel, dormindo feito anjo naquela cadeira de merda.

E é claro que eu passei da reabilitação, eu voltei a andar. Voltei a enxergar e descobri a merda do meu nome e tudo mudou.

Eu era próxima dele, mas eu acho que odiava meu irmão. Tínhamos uma relação complicada, principalmente com nosso pai. Acho que era mais fácil ser o filho favorito, quando você não dá uma despesa de 2 milhões de reais em tratamentos, cirurgias, em médicos e em terapeutas.

Meu pai sempre foi ríspido em relação a mim, e amoroso em relação ao Nate. Ainda mais quando seu irmão é tão perfeito, ele era excepcional. O melhor nos esportes, o mais inteligente, ele era criativo, ele era bem forte. E eu, a pequena desgraça da família.

Todavia, eu não era tão ruim. Eu comecei a patinar. Na verdade, essa era a única coisa real sobre mim. E uma coisa que eu era talentosa, eu conseguia patinar me equilibrando em apenas um dos pés com um livro em minha cabeça. O gelo era mais acolhedor do que minha própria família.

Minha mãe era uma vaca, que só pensava em si mesma e acho que seu passatempo favorito era me desacreditar e me fazer se sentir um lixo, ainda mais que eu não era como meu irmão.

Só que o mais engraçado nessa merda toda, é que meu irmão olhava para mim com tanto medo, que parece que a cada momento ele esperava que eu o matasse. Ele sabia que eu o odiava.

O dia mais feliz e triste da minha vida foi quando minha mãe me perguntou na onde o Nate estava. Uma semana depois eu percebi que ele não iria voltar. E um ano depois, ele foi dado como caso encerrado.

Isso foi bom para mim, eu me tornei uma filha única, e é óbvio que foi horrível no começo. Mas, eu ganhei minha primeira festa sozinha e meu aniversário não era dividido com um babaca doentio.

Eu nunca vi meu pai tão deprimido, era estranho entrar em casa e ele não estar no escritório conversando com o meu irmão. E olha, eu não sou de me sentir triste pelo sumiço do meu irmão, mas ver a depressão que meu pai entrou, eu me senti horrível.

Minha vida virou um inferno quando meus pais se separaram. E minha mãe não passava um dia sem me culpar pelo sumiço do Nate, como se eu magicamente pudesse trazê-lo de volta. Vaca estúpida.

E meu pai, ele ficou muito mal. Pelo menos, ele me apoiava na patinação. Ele queria que eu fosse profissional, até ganhei algumas competições. Mas, meu entrou numa depressão profunda, e eu tive que cuidar dele.

Foi ruim cuidar do velho, até porque eu estava no oitavo ano, e conciliar os estudos com meu pai doente foi um saco. Ele estava sempre dopado, e eu tinha que estudar.

Ele ficou tão mal, que não saia nem da cama. Dia após dia, eu via ele se afogar na própria tristeza. E isso era contagiante. Eu já estava deprimida com toda aquela merda.

Mas com a dose certa de remédios, e uma combinação química perfeita. Ele estava de pé, fez comida. Comprou pela internet novos patins de gelo, vermelhos com cadarços pretos no tamanho 34.

Ele cozinhou macarrão a molho branco, ajudou-me com as tarefas e pintou meu cabelo. Aquela semana foi a mais feliz da minha vida, eu estava de férias e faltava uma semana para eu ir para o nono ano.

Pintei meu cabelo de vermelho intenso, e o do meu pai de preto. Todas as noites, eu lia poemas que eu escrevia e de manhã eu tocava piano para ele.

Ele parecia tão feliz. Ele me fez me sentir finalmente capaz de alguma coisa. No primeiro dia de aula, ele penteou meu cabelo, arrumou meu uniforme e eu calçei minhas botas vermelhas com saltinho de cinco centímetros. E ele saiu de casa pela primeira vez em meses, para me levar para escola.

Eu não teria ido, se soubesse que por causa disso perderia a coisa mais importante para minha pessoa naquele momento. Quando eu cheguei em casa, a porta do banheiro da suíte dele estava aberta. Ele ainda vestia a mesma roupa que usara de manhã... mas seus pulsos estavam com dois cortes verticais longos e profundos e aquela altura, não tinha o que ser feito.

E eu estava ali, na frente de Nate. E minha vida dependia disso. E por um momento eu pensei racionalmente. Nate precisava de mim, mas eu não precisava dele.

A arma que outrora estava apontada para o coração do meu amado irmão, agora estava com o cano encostado da lateral da minha cabeça. E antes que Nate pudesse fazer qualquer coisa, eu apertei o gatilho.

############

Oiee, aqui é a Noy.
Falem-me o que acharam.
Vai ter um capítulo por semana, obg.

Com amor, Noy.

Os teus lindos lábios Onde histórias criam vida. Descubra agora