ELISA
Sentamos na areia, Heitor levemente inclinado para trás e eu encostada em seu dorso. Corpo firme, grande e bom de pegar. O cheiro, havia algo de misterioso no cheiro de Heitor. Ele era um homem incrivelmente perfumado. Mas não me parecia apenas um perfume dos que encontramos em prateleira, era natural.
Ali em seus braços eu pensava que tínhamos muito para dizer um ao outro, mas que não queríamos. Além disso, uma sensação me perseguia, eu sentia que em uma conversa ele tentaria me afastar. Heitor era um tanto retraído, mas eu já havia pinçado um ou outro comentário feito ao acaso por Ceiça sobre a vida dele.
Era fato que Heitor tinha um passado daqueles que tentamos deixar embaixo do tapete. Escondemos, mas basta um movimento um pouco mais brusco no tapete e ele fica aparente. Em algum momento o passado do Heitor viria à tona e como eu gostaria que fosse ele a compartilhar comigo o motivo da sua tormenta.
Trocamos os melhores beijos e no calor dos seus braços eu me senti acolhida e aquecida. A brisa do mar permeada pela ventania me fez encolher, mas ele estava lá atento, e com seus braços largos me puxou para mais perto de si. Eu era uma mulher de alta estatura, mas parecia uma menina perto de Heitor. Sua boca encontrava a pele do meu pescoço e então eu estava completamente aquecida.
ꟷ Eu não quero me arrepender. ꟷ Ele disse de repente em meu ouvido. Só tínhamos nós dois na areia da praia, mas soou como uma confidência que só eu deveria ouvir.
ꟷ Eu vou estar aqui.
ꟷ Até quando Elisa? ꟷ A cada instante ele me apertava mais em seus braços e àquela altura eu já acreditava que ele não queria me deixar ir.
ꟷ Estarei aqui enquanto funcionarmos, Heitor. ꟷ O que ele não sabia é que eu não iria, não enquanto conseguisse ficar. A sua resposta foi o silêncio e só aumentava minha intuição de que ele estava preso ao passado.
ꟷ Tenho bons ouvidos, pode me contar o que quer que seja. ꟷ Decidi acrescentar. Se ele era o cara silencioso eu não era mulher de meias palavras e comigo as coisas eram sempre às claras.
ꟷ Porque acha que tenho algo para contar? ꟷ Sério? Tive vontade de rir, naquele momento Heitor parecia um adolescente.
ꟷ Porque você luta contra mim.
Ele suspirou e me puxou para um beijo. Beijo bom que ele sabia dar e que quando acabava me fazia questionar porque não podíamos viver mais do que aquilo.
ꟷ Isso não é lutar contra. ꟷ Retrucou vitorioso.
ꟷ Aqui dentro você luta. ꟷ Eu disse colando a mão em seu peito. ꟷ Eu posso lutar junto, mas a favor.
ꟷ Você não sabe.
ꟷ Eu sei. Eu posso lutar. Mas você precisa confiar em mim.
ꟷ Você vai se arrepender. ꟷ Ele dizia com pesar. O que Heitor tanto temia?
ꟷ Deixe que eu decida isso Heitor.
Ele me beijou mais e os nossos beijos pareciam aliviar nossos medos e ansiedade. As mãos, grandes e pesadas, faziam um carinho gostoso na minha pele, deslizando em um vai e vem pelos meus braços. E eu não queria sair dali.
Conversamos. Contei sobre a minha profissão e fui surpreendida quando ele disse saber que eu era a médica que atendia na cidade. Talvez ele não fosse tão alheio a minha existência ou apenas era resultado de morar em um lugar pequeno, onde todo mundo sabia da vida de todos. Se eu fosse esperta, me apegaria à segunda opção. Sobre a vida dele tudo o que eu soube foi que na Capital não atuava na área comercial e que escolheu Medeiros porque seu irmão morava na cidade. Era fato que Heitor chegou a Medeiros para experimentar uma mudança de vida e algo me dizia que o ponto chave era mulher.
Contei sobre a rotina no posto médico e os plantões que fazia nas cidades vizinhas, sobre a morte dos meus pais e quando decidi deixar tudo para trás na minha cidade. Ele contou sobre as atividades no quiosque e como conheceu Ceiça.
Eu sempre levei a vida de forma leve. Mesmo quando meus pais faleceram no acidente eu não havia deixado de ser positiva. Não gostava de ser ranzinza e nos dias difíceis eu escolhia o silêncio e reflexão. Eu queria Heitor, mas seria do meu jeito. Leve e sem joguinhos mentais.
Nenhum dos dois parecia ter coragem de consultar o relógio, pois apenas confirmaríamos que era loucura ainda estar na areia da praia com o avançar da madrugada. O dia seguinte não demoraria a chegar e o sol cobrando seu espaço no céu, em luta entre as nuvens, logo nos mostraria que com ele também chegaria as nossas obrigações.
ꟷ Eu não quero ir embora, Elisa. ꟷ Disse com os lábios colados em meus cabelos.
ꟷ Eu também quero ficar.
ꟷ Claro que você quer e quer levar meu juízo junto.
ꟷ Você pensa demais. ꟷ Foi minha resposta acompanhada de um revirar de olhos, porque Heitor merecia.
ꟷ Não quero te fazer mal, Elisa.
ꟷ Pois deveria ta me beijando. Você beija bem, mas fala besteira demais.
Uma gargalhada gostosa que me fez acompanha-lo seguida de uma pegada com beijos. Eles eram mesmo maravilhosos e faziam compensar o quanto Heitor conseguia ser irritante.
ꟷ Faço outras coisas muito bem também e aposto que não irá reclamar das besteiras que estarei falando em seu ouvido.
Ele sussurrou cada palavra pausadamente em meu ouvido, provando que se mudasse de ideia quanto a mim eu estaria muito perdida.
ꟷ Vamos com calma, garanhão e pode botar bastante calma nesse carrinho aí.
ꟷ Ah Elisa, você vai mesmo ferrar com a minha sanidade.
ꟷ Vou te fazer bem.
Heitor me abraçou novamente e em silêncio encarávamos o céu. Se fosse possível, teríamos parado o tempo exatamente ali. Porque naqueles instantes não havia nada mais ao nosso redor, senão a imensidão do mar e do céu. Mas a vida real não demoraria a bater na porta e fazia tempo demais que eu esperava por ele, tempo suficiente para não querer abrir mão.
ꟷ Rotina cheia? Já era para estar em casa ne?
ꟷ O sol vai nascer e você vai me deixar em casa. Irei tomar um banho correndo, pegar meu jaleco e você terá feito um café forte, pois só terei tempo para uma xícara de café. E por sorte, ou um arranjo muito bem feito, moramos na mesma rua. Depois disso, sigo para as vinte e quatro horas do meu plantão.
ꟷ Vamos por partes Elisa. O café eu posso fazer e posso te deixar em casa. E achou mesmo que eu não sabia que era minha vizinha? A mulher mais gata dessa cidade mora a poucos metros da minha casa e não fazia ideia que era vigiada da janela?
ꟷ Um voyeur, Heitor?
ꟷ Um obcecado pelo show de vizinha que tem.
ꟷ Que trocadilho péssimo. Meus Deus já te avisaram que você não é bom com piadas?
ꟷ Vai ficar vinte e quatro horas acordada? Deveria está na cama dormindo. ꟷ Levantei uma sobrancelha questionando-o sobre os motivos de não estar em casa. ꟷ Se eu soubesse não teria deixado você ficar.
ꟷ E desde quando eu te pedi alguma coisa, Heitor? E você também passará o dia acordado, afinal o quiosque continua funcionando.
Consegui outra risada dele e como era lindo sorrindo. Os dentes perfeitos e branquinhos. Além dos olhos que brilhavam ainda mais.
ꟷ Eu não trocaria essa noite por anda. Mas vamos para casa.
ꟷ O sol vai nascer.
ꟷ Hum, então você quer assistir o nascer do sol comigo? ꟷ Perguntou matreiro. ꟷ Assim, hein? Ou assim? Vai ter que falar Elisa. Eu não curto adivinhação.
Ganheibeijos em cada pedacinho do meu rosto, pescoço e eu queria mais do que assistiro sol nascer, seria melhor congelar cada instante que passamos juntos naquelamadrugada.
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PAIXÃO DE MARESIA
Short StoryUm conto sobre a paixão de Elisa e Heitor. Ela foi para Medeiros em buscar de aliviar a dor que sentia com a ausência dos pais. Ele tentava esquecer uma grande decepção. Paixão de Maresia veio para deixar um gostinho de um romance lindo e cheio de s...