Capítulo 2

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ELISA

Insuportavelmente bonito. E distraído. Sabia que as mexeriqueiras das minhas amigas estavam curiosas para saber o que conversamos e até dava vontade de aumentar um pouquinho aqui e ali. Mas era sobre Heitor e elas não cairiam em qualquer história.

ꟷ Pode ir falando, bonita. ꟷ Camila iniciou.

ꟷ Combinamos de encontrarmos aqui à noite. ꟷ Estava apenas sendo positiva.

ꟷ Uau! Heitor te convidou? ꟷ Foi Cacau quem perguntou e elas se juntaram ainda mais meu redor.

ꟷ Você colocando dessa forma parece mesmo que sim.

ꟷ E? ꟷ Já podia ver os sorrisinhos brotando no rosto de cada uma.

ꟷ Vocês são chatas, viu? Ele disse que a noite teria o cardápio novo e eu informei que viria. ꟷ Todas elas desembocaram em uma gargalhada e até eu fui junto. ꟷ Vou para casa,descansar a pele, é o melhor que faço.

Heitor não sabia, mas era a sensação de Medeiros, o cara que povoava o imaginário senão de todas, da grande maioria feminina da cidade. Cheguei há seis meses e logo na primeira semana já estava sabendo do bonitão dono do quiosque, que segundo os moradores vendia o melhor sanduíche de Medeiros.

Era bonito, gente boa e nunca o tinha visto arrastando asa para qualquer mulher. Ele mal devia saber a quantidade delas que iam e viam ao quiosque na tentativa de trocar uma palavra que fosse com ele. Despretensioso e tímido, tinha sorte que a comida era boa e dele ser extremamente agradável aos olhos, pois mal conseguia ter uma conversa simples com os clientes, principalmente se fossem do sexo feminino.

Do nosso grupo todas as solteiras formulavam planos para consegui a atenção de Heitor e tudo o que tínhamos era só sua atenção, nada mais do que isso. E entre nós havia um acordo tácito, se uma tivesse um encontro que fosse, as demais sairiam de cena. Era justo.

Perto das seis da tarde eu já estava pronta para uma volta no calçadão, vestia short coloridinho de seda e uma camiseta soltinha na cor verde. Encontrei algumas das meninas, pois era quinta-feira e não tínhamos o costume de sair a noite durante a semana, inclusive no dia seguinte eu daria plantão no posto médico da cidade.

A noite estava quente, uma típica noite de janeiro na praia, calçadão cheio e na companhia das meninas eu segui para o quiosque do Heitor. O ambiente estava animado, a iluminação ficou por conta das luzinhas que o rodeava, e nos alto-falantes ecoava uma música surf music gostosa de ouvir. O suficiente para animar a turma que já aglomerava nos arredores do quiosque, mas ainda em um tom agradável, que não atrapalhava as conversas.

Da mesinha que escolhemos o admirávamos trabalhando. Compenetrado e um pouco sério, recebia os pedidos que os atendentes levavam até ele, ou os clientes que preferiam ir direto ao balcão, a maioria eram mulheres. E pensando melhor, parecia tão pouco provável que ele não percebesse o furor que causava.

ꟷ Dieguinho, seu chefe não vem nos apresentar o novo cardápio? ꟷ Disse Camila. Diego era um dos atendentes que ficava no período da tarde e noite.

ꟷ Que golpe hein gata, sou tão ruim assim?

ꟷ Deixa de ser abusado, garoto. Vai lá sugerir ao chefe que cardápio novo tem que ser mostrado pelo dono.

ꟷ Gatinha, to sabendo que ele mostrou hoje cedo.

ꟷ Irritante, isso que você é Dieguinho.

Ele saiu gargalhando e não demorou para que o avistássemos conversando com Heitor dentro do quiosque. O chefe ria sem graça com o que é que tenha ouvido da boca de Diego e pouco tempo depois caminhava em direção a nossa mesa.

ꟷ Desculpem não ter vindo antes, mas hoje o movimento está maior do que eu esperava.

ꟷ Ah, mas Diego é muito exagerado. Bem, eu vou querer sanduíche de tilápia, suco de morango com laranja e para acompanhar chips de batata doce.

Minhas amigas faziam o pedido e me ocupava imaginando o que a camisa branca e o short florido estariam cobrindo.

ꟷ Elisa? ꟷ Ele me tirou do torpor.

ꟷ Ah, eu. É...

Confusa e feito uma boba que não sabe agir diante de um homem bonito.

ꟷ Ela vai querer o mesmo que eu Heitor. ꟷ Camila decretou.

ꟷ Ok, anotado. Como eu disse hoje o tempo de espera está um pouco maior, mas vou fazer o possível para apressar.

ꟷ Sem problemas Heitor!

ꟷ Até daqui a pouco meninas!

ꟷ Você não sabia o que eu ia escolher.

ꟷ Para aprender e não ficar passando vergonha na frente dele.

Implicávamos umas com as outras, mas elas eram minha melhor companhia, eu gostava de estar perto delas e me esforçava para fazê-lo nos dias que estava de folga ou com a agenda de trabalho flexível.

Comemos, Cacau e Rita se arriscaram nos drinks que só eram encontrados no quiosque do Heitor e quando os alto-falantes anunciaram os primeiros acordes de um bom reggae, lá estávamos nós na areia cantando e dançando juntas.

ꟷ Ele não para de olhar para cá.

Eu distraída não havia entendido sobre quem Cacau falava, afinal a praia já estava cheia e vez ou outra alguma carinha nos abordava. Uma mesa com várias mulheres sozinhas havia de chamar atenção.

ꟷ E quem seria ele?

ꟷ O cara que supostamente te chamou pra vir aqui hoje?

Uma virada brusca, do jeito que as amigas imploram para não fazermos quando estão falando de alguém que está perto, foi minha primeira reação após a informação recebida. E lá estava ele, olhar fixo em nossa direção e quando nossos olhares se encontraram, eu poderia jura que era o alvo. Não desviou, mas também não suavizou sua feição. Parecia sério demais, talvez mais do que transparecia no dia-a-dia. Sustentamos o olhar por alguns instantes e reconheço que longos demais para quem até a manhã daquele dia não sabia o meu nome. Eu também não me movia, de forma alguma desfaria aquele contato. Seis meses morando em Medeiros e frequentando quiosque e era a primeira vez que ele de fato me notava.

Ele parecia compartilhar da minha determinação, uma vez que sequer percebeu a presença de dois clientes no balcão, aguardando o atendimento.

Contudo, além dos clientes negligenciados, havia uma pessoa descontente com a nossa interação. A garota que trabalhava no quiosque e que vivia pendurada nele surgiu como uma miragem e lá estava chamando sua atenção para o caixa.

Desfizemos nosso laço e somente então me dei conta que segurava a respiração. Exalei o ar, fechei os olhos e calmamente aguardava que meu sangue voltasse a circular conforme o fluxo correto.

ꟷ O que foi isso? ꟷ Quando abrir novamente os olhos e mirei minhas amigas, percebi que todas haviam ficado em suspenso e compartilharam daquele momento.

ꟷ Eu juro que não entendi. ꟷ Foi que miseravelmente consegui responder.

ꟷ Bem, já entendemos! Time fora de campo.

Eu não conseguia explicar o que estava acontecendo, quiçá raciocinar sobre o que faria. O avançar das horas foi o norte para que as meninas anunciasse que iriam embora. Em uma das minhas infinitas olhadas na direção do quiosque vi que o movimento havia diminuído de forma considerável.

ꟷ Amanhã não terão o prazer da minha presença, somente meus pacientes.

ꟷ Ah, mas teremos uma vista sensacional.

ꟷ Algo me diz que tem a ver com sanduíche e suco. ꟷ Disse Camila, levando as outras às gargalhadas.

ꟷRidículas. Amo vocês.

PAIXÃO DE MARESIAOnde histórias criam vida. Descubra agora