Pensamentos

49 8 2
                                    

Era dia da família e eu estava de plantão, não que fosse tão ruim assim, já que todos os que amava estavam dentro daquelas paredes.

Faz um ano que me transferi para o Hospital Verde, famoso por seus milagres, esperando que meu pai acordasse. Porém os meses passaram e ele permanecia desacordado, eu temia que ele não fosse se recuperar. Um acidente de carro o distanciou de mim e meus colegas de trabalho eram os únicos que me apoiaram. Embora eu fosse grata, tudo o que eu desejava era ouvir meu pai mais uma vez.

Antes de entrar na UTI observei o céu nublado, em dias como aquele meu pai calçava meias e reclamava do frio, ficávamos no sofá envoltos em um cobertor assistindo filmes de terror e tomando café, pensar nisso me fazia sentir um peso.

De plantão assumido, com o livro de anotações em minhas mãos, rondo o setor cumprimentando cada paciente, em outras alas do hospital as pessoas estariam recebendo visitas, mas aquelas pessoas não tinham essa opção. Por isso eu perguntava, mesmo aos desacordados, como eles estavam e se precisavam de algo. Só depois de cumprir esse ritual eu realizava as medicações. 

O almoço no refeitório parecia ainda mais insosso. Eu estava lá sentada com Eliza e cinco técnicas, que sussurravam sobre os médicos que passavam no corredor, sem seus jalecos. Eu só conseguia pensar no meu pai. 

A tarde era voltada a fazer exames e evoluções o que tomava todo turno, os profissionais caminhavam quase sem descanso com suas pranchetas. Com minha bandeja e meu caderno de anotações, segui aos pacientes, por ser algo que apenas enfermeiros podiam realizar e sermos somente duas hoje, levaria um tempo considerável.

No último paciente, uma senhora em estado grave, entubada e monitorizada, mantive a conversa e me dirigi à acamada, mesmo sem esperança alguma de receber resposta. 

- Boa tarde, Sara, vim conferir como a senhora está.

Então toquei sua mão, aproveitando para sentir sua temperatura.

- Menos triste, ao menos alguém me dá atenção.

Me virei para a acompanhante.

- Como?

Ela me olhou com estranheza.

- Eu não disse nada.

Tentei não demonstrar minha surpresa e segui com o exame.

- Agora eu vou examinar sua barriga e preciso apertar um pouco.

Quando fiz a palpação abdominal escutei a mesma voz.

- Não é como se eu pudesse sofrer ainda mais.

Controlei o susto e fiz uma pergunta de confirmação, sussurrando.

- Qual seu nome?

- Sara Castro.

Quase gritei, mas me contive. Me despedi apressada.

- Eliza, assuma para mim!

Falei para minha colega e corri para a internação sem esperar por uma resposta. Eu já chorava apenas de imaginar escutar ele, precisava saber que ele ainda estava ali e quando cheguei ao quarto dele, do meu pai, vi que minha mão tremia ao estendê-la em sua direção.

- Pai?

- Está um frio dos infernos.

Eu ri conforme escutava seus pensamentos. Realmente, um hospital de milagres.

PensamentosOnde histórias criam vida. Descubra agora