O Benfeitor.

12 3 2
                                    

     Em meio à leve bruma, os rapazes foram guiados pelo homem da cartola. As ruas de Londres estavam quietas, dadas as horas da noite, mas vez ou outra podia-se ver uma coruja aqui ou acolá sobre um poste de iluminação.
     Bill e William se entreolhavam confusos, sem entender o porquê do convite daquele senhor. Acontece que ele era um médico legista e também benfeitor de um orfanato para garotos de rua, mas isso ainda não era matéria conhecida pelos meninos que o acompanhavam. Seguiram o caminho em silêncio, com o médico os guiando pelas ruas de pedra de Londres. Entretanto, no meio de seu caminho, o homem parou de frente a uma bela edificação. O lugar erguia-se em blocos de pedra polida; havia uma cerca de ferro e um portão de mesmo material protegendo o local. Um grande jardim com belas flores e relva verde cortada embelezava a propriedade em que, nos fundos, levantava-se um labirinto de vegetação cor-de-esmeralda com uma escultura de Maria com Jesus Cristo morto em seus braços, esculpida em carrara. O piso do lugar era de um mármore negro que reluzia quando iluminado pela luz de velas ou lâmpadas.
     "Queiram aproximar-se, garotos", invocou o Dr. Benedict, como era conhecido, os rapazes a entrarem naquela edificação. Acontece que aquela casa era o orfanato do médico, na qual ele introduziria os meninos.
     Aproximaram-se do portão e adentraram o lugar; Benedict tomou de seu bolso a chave da porta e logo abriu-a revelando, à dupla, o abrigo. Eles ficaram espantados com a beleza e formosura daquele ambiente.
"Senhor Benedict, esta é a sua residência?", interrogou Bill ao médico, que logo o explicara do que se tratava. "Não, jovem Bill. Este é o orfanato em que sou benfeitor. Aqui, vocês encontrarão abrigo e estarão longe de qualquer sombra de malfeitores.". Aquelas palavras penetraram os ouvidos de Will e Bill como palavra de segurança e proteção.
Benedict apresentou-os o orfanato e logo após deu-lhes comida e bebida. Aquela noite fora a primeira em que os meninos dormiram despreocupados, longe do perigo que as ruas londrinas ofertavam às pobres almas desgarradas. Em ventura, repousaram e descansaram como nunca.
E ali, naquela casa de órfãos, começara a sina de William e Bill, dois jovens homens que marcariam a história da criminologia londrina.

O doutor Benedict era fruto de uma família aristocrata de Londres. Entretanto, não se assoberbava com isso, pois sabia que dinheiro ou status não definiriam a honra, lealdade e bravura de um homem. Na verdade, o médico legista era um sujeito de bom coração, não é atoa que tomou para seu orfanato William e Bill. Ele era parte da Academia Londrina de Criminologia, e era diretor do Primeiro Hospital de Londres.
    Na sua juventude, frequentara Harvard, sendo um dos mais brilhantes alunos que a universidade já tivera. Cativava a todos com suas palavras, sabedoria e inteligência; era muito influente na sociedade inglesa do século XIX, sendo conhecido pelos seus trabalhos com detetives e policiais em casos de homicídio. Foi um dos melhores legistas que a Academia Londrina de Criminologia já teve, se não o melhor.
   Tomou parte numa investigação de um suicídio  duma mulher aristocrata. Ocorreu que lady Evie fora encontrada morta em sua casa pelos familiares. A grande questão era: Evie não possuía inimigos, tampouco era uma mulher má; entretanto, poucos sabiam de seus atos de adultério contra seu esposo, lorde Anthony.
Ora, Evie tinha comportamentos duvidosos, tal como o não frequente uso de sua aliança quando saia para "visitar" ou "tomar o chá da tarde" com Leopoldina, sua prima de segundo grau que morava do outro lado de Londres. Além dos ocorridos com a aliança, a finada também chegava em horas impróprias para uma mulher casada e, quase sempre, com um diferente perfume. Tais atos se tornaram matéria de desconfiança de Anthony, que logo contratara um detetive a seu favor. O labor do investigador fora fácil, já que Evie não era discreta em suas idas e vindas. Logo, fora descoberta em segredo pelo contratado que logo delatou-a a Anthony.
O lorde, irado, pagou a um mercenário que assassinasse o amante de Evie, tornando-a extremamente infeliz e rendida, mais uma vez, aos favores de Anthony. Entretanto, dada a circunstância em que lady Evie se encontrava, ingeriu uma espécie de veneno, e tirou a própria vida. Aquilo tornou-se assunto de falatório e murmúrios em toda Londres, tendo em vista a fama da família Woods em toda a cidade.
O ato logo chegou aos ouvidos da polícia londrina, que rapidamente acionou Dr. Benedict em seu auxílio. As investigações começaram a ser feitas, mas nenhuma peça se encaixava com a outra, trazendo confusão ao corpo militar. Entretanto, Benedict, que era engenhoso e imprevisível, escanteou brevemente sua função de legista e assumiu a função investigatória.
Ora, o benfeitor era detentor de grande saber e perspicácia, solucionando logo o mistério e dissipando a névoa do acontecido.
     Para tanto, interrogou todos aqueles que tinham algum tipo de relação com Evie, que delataram seus comportamentos suspeitos supracitados. Além disso, também questionou o chofer particular da lady, que lhe indicara o local que a mulher frequentava: uma casa de tijolos tradicionais num bairro mediano de Londres. A residência tinha o selo do Cavalo Branco, marca de cereais que era comercializado no subúrbio da cidade.
    O selo, na verdade, era uma antiga heráldica da família centenária Relish, que não tinha muito renome na Inglaterra. Isso era matéria sabida por poucos, e um desses era Benedict. Como já lhes disse, o legista era imprevisível, e na sua imprevisibilidade, heráldica era matéria de seu interesse. Ora, associando tal selo com o assassinato no último ano de John Relish, levantou mais suspeitas acerca do suicídio de Evie. Então, do mesmo modo que interrogou os vizinhos da mulher, interrogou os vizinhos de John, que alegavam terem visto, no passado, uma madame bem trajada, esbelta e de cabelos ruivos visitando o ambiente Relish. Eis aí o ponto onde as peças se encaixaram.
    A família de Evie alegara, anteriormente, que a mulher vivia infeliz desde o último ano, negando a seu marido que acabava por agredi-la, levemente, como punição. Dessa maneira, pôs o cônjuge da lady contra a parede, e o homem confessou seus crimes. Quando tal confissão chegou a público, houveram repúdios e incômodos de toda a sociedade, pois Evie Woods era amada por todos e era uma mulher de bom coração. O povo chegou a quase linchar Anthony quando foi arrancado de sua residência e posto no carro policial que era protegido por outros dois veículos negros do corpo militar local. Lorde Anthony foi sentenciado a prisão perpétua e Benedict foi alvo de elogios pela polícia e por membros da Academia Londrina de Criminologia.
     Tal feito era apenas um dos grandes mistérios solucionados por Benedict, o novo tutor e instrutor de Will e Bill.

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Aug 13, 2020 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

Odisseia Inglesa.Onde histórias criam vida. Descubra agora