Sing Jinwen

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Sing Jinwen virou o seu olhar do quadro branco onde a professora escrevia, e olhou para o lado de fora, pela janela. Não era a neve que caí desalmadamente que o atraia, ou mesmo as poucas pessoas que se encostavam ao portão da escola, à espera que os seus familiares acabassem as aulas.

Não, o que prendia a sua atenção era o grupo de rapazes, um pouco mais velhos que os seus desassete anos, que gozavam com quem quer que os olhase de lado e que estavam parados perto das grades que cercavam a escola.

Ele sabia perfeitamente quem eram áqueles jovens, e que o que eles faziam ali. Eles estavam ali por causa dele, para dar-lhe uma carga de porrada e ensinar-lhe uma «lição valiosa», como haviam prometido tantas vezes antes.

Não era como se não fosse merecido, afinal Sing Jinwen os havia provocado tantas vezes, que um dia o grupo teria de ripostar. Nervoso, ele coçou a mão direita que trazia sempre enluvada para escoder a sua marca de nascença. 

Sing Jinwen cresceu nas ruas, e embora ele não tenha memorias da sua infancia, ele sabia que àquele tipo de pessoa era o que ele conheceu a vida toda, até ao ponto de que, durante um tempo, ele-mesmo tinha sido parte daquela gangue.

Ele lembrava-se perfeitamente de quando a gangue do Qin Fen «salvou-lhe a vida» por assim dizer. Àquele dia, foi como um nascimento para ele, foi a primeira lembrança que ele tinha.

Antes disso, ele era um livro em branco.

Sing Jinwen tinha apenas doze e estava cheio de fome e cansado, o mais provavel era ter fugido de algum lar, pois ele parecia um sem-abrigo e nunca ninguém procurou por ele.

Numa noite em que tinha muita fome, entrou numa dessas lojas de conveniencia e roubou umas batatas e massas instantâneas, à saída foi contra um rapaz alto e magro, muito magro mesmo, com quem colidiu. O rapaz o olhou do alto do seu corpo.

Para Sing Jinwen, Qin Fen parecia um gigante, hoje ele tinha plena consciencia que ele era um orfão como ele, que tentava faze-ser à vida cometendo pequenos delites, mas quando se é uma criança de doze anos, até o mais perigoso dos bandidos lhe pareceria um Deus salvador. Qin Fen o viu com a mercadoria roubada e viu nele um certo potencial para se tornar um ladrãozinho de rua e logo lhe deu um abrigo e «trabalho».

Desde esse dia, Sing Jinwen passou a roubar pequenas coisas que a gangue de Qin Fen precisava e em troca dormia num sofa rançoso num prédio abandonado que o gangue escolheu para casa.

Algumas vezes depois, ele até foi apanhado e levado para um lar provisório, mas fugia sempre para voltar para a gangue.

E os serviços sociais o apanhavam eventualemente.

Era sempre assim, o colocavam num lar de merda, ele fugia logo na primeira semana, e depois era apanhado e posto num lar mais rigido.

O último foi a sua gota de água. Estava farto e foi quando finalmente entrou nas ruas mais escuras daquela cidade da China. Alí ele tinha a certeza que os serviços socias não entrariam.

As vezes tinha a impressão que tudo era muito estranho para ele, as pessoas, os seus habitos, como se ele não fizesse parte daquela realidade. Mas durante algum tempo, áquela vida lhe convinha.

Melhor do que ficar num lar em que todos o tratavam como um pedaço de merda.

Até ao dia em que lhe pediram para roubar uma livraria antiga, e foi quando conheceu o velho Feng bo. Feng Bo era o dono da livraria da cidade e enquanto Sing Jinwen pensava que estava sozinho no local, o velho Feng Bo estava a analizá-lo, sentando num canto escuro.

Quando ele falou, Sing Jinwen assustou-se e pensou que ia morrer, mas o velho Feng Bo não chamou a policia, ao em vez disso fez um trato com ele: Sing Jinwen trabalhava para ele a limpar os velhos livros e Feng Bo lhe daria um quarto.

Como Sing Jinwen não era estupido, aceitou. O trabalho o deixou com menos tempo para a gangue e Qin Fen não ficou nada contente.

No inicio foi fácil para ele ficar longe do gangue, mas eventualmente Qin Fen o quis de volta e começou a atormentá-lo cada vez que o via.

As coisas ficaram piores depois que Sing Jinwen começou a escola, outra condição do velho. Quando ele soube que Sing Jinwen não era nada burro, o escreveu numa escola, e se no principio Sing Jinwen detestava estudar, ele agora compreendia que era necessário, afinal Feng Bo não estaria ali para toda a vida.

As gangues iam e vinham e às vezes era absorvidos por outras maiores ou desfeitos. A lei era a dos mais fortes na rua. Essa era a verdade e a realidade do seu dia a dia. Os estudos o levaria longe, não a gangue.

Sing Jinwen pensava que Feng Bo estava axagerar, mas quando o gangue do Wu Shui apareceu no seu bairro, com miudos mais velhos, Sing Jinwen viu que o velho tinha razão, no ínicio custou-lhe a crer que a gangue de Qin Fen pudesse desaparecer ou perder contra quem quer que fosse, mas logo ficou claro que Wu Shui não estava para brincadeiras.

Um por um, ele perseguiu os membros do gangue de Qin Fen e fez-lhes uma proposta para se juntar ao seu grupo, quando isso não funcionava, eles eram batidos ao ponto de precisarem de assistência médica.

Qin Fen, mais do que nunca, precisava de aumentar os numeros da gangue, então o perseguia sem descanço.

Sing Jinwen, assim que os viu do lado de fora da sua escola sabia o que devia fazer.

Ele sempre foi muito bom em correr, pois bem, ele não se deixaria ser apanhado! Ele tinha de correr e se esconder até poder voltar para a livraria.

Feng bo estaria à sua espera.

Sing Jinwen gostava do velho. Lembrou-se do dia de ontem e suspirou alto. O velho meteu-se na cabeça que Sing Jinwen precisava de aprender sobre lendas e magia. Contáva-lhe historias sem fim sobre coisas que não existiam, o velho entrava de tal maneira nos seus próprios contos que as vezes os seus olhos brilhavam.

E se Sing Jinwen desvia a sua atenção, um minuto sequer, Feng Bo o batia com o velho leque que ele trazia sempre consigo, faça calor ou faça frio.

Naquele momento, Sing Jinwen esfregu a cabeça, como se ainda senti-se a dor do leque. Para um velho, até que Feng Bo tinha força!

Quando Sing Jinwen ouvia as suas historias com atenção, aí sim! Ele ficava contente e esfregava a barba branca com um sorriso na boca.

Feng Bo precisava de entender que para uma pessoa sem passado, sem história própria, o que passou ou as fantasias nos livros, era algo que não lhe interessava.

A única historia que ele queria conhecer era áquela que lhe era impossivél!

A sua própria história!

– Sing Jinwen! Estás a ouvir?

Sing Jinwen olhou para a professara e viu que a turma toda estava a olhar para ele. Esse tipo de aula não lhe interessava em nada! Nesse dia os alunos tinha que contar alguma lenda que às familias contavam desde sempre. Totalmente inútil na opinião dele!

O velho Feng Bo teria adorado: Cultivação, energia Qi que conferia poderes, ou mesmo animais espirituais! Nada disse era real, nunca foi, nunca seria! Então porquê falar sobre isso numa sala de aulas?

– Sim, professora. – respondeu ele.

– Então repete o que acabei de dizer! – exigiu ela.

O tom da professa era de desafio, ela estava a espera que ele não tivesse ouvido nada, e de facto ele não ouviu, mas farto de ouvir tais contos da boca de Feng Bo, que ele conhecia áquele conto!

Com calma, repetiu, palavra por palavra o que foi dito, e assim que acabou, como por mágia, a campanhia anuciando o final das aulas, tocou.

Com pressa, Sing Jinwen pegou nos seus poucos pertences, e figiu da sala.

Assim que saiu do prédio da escola, Sing Jinwen começou a correr. Rapidamente os seus passos fizeram barulho no chão cheio de neve mas ele não parou, continuou correr.

Quando viu a livraria, deu um suspiro de alívio: – Finalmente estava em casa!

Mas o seu alívio foi de curta duração, quando se preparava para entrar, o chefe da gangue segurou-lhe pelo pulso: – Bolas, ele foi apanhado!

The Red Flower of Len Yuxen (PT/BR) - BLOnde histórias criam vida. Descubra agora