Cidade

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A sensação do vento frio e suave da madrugada a bater-lhe na cara, fazendo com os seus fios de cabelo castanho voassem levemente para trás, era indescritível. 

Naquele dia, o rapaz alto e de pele muito branca andava sozinho pelas ruas e isso dava-lhe uma sensação de liberdade que ele adorava e da qual não podia desfrutar durante muito tempo.

Aquela cidade escondia muitas coisas que, à primeira vista, podiam passar despercebidas aos olhos dos turistas, mas que eram inevitáveis de não notar quando se frequentava aquelas ruas todos os dias. Por saberem o que se passava, sentimentos com desconforto, insegurança e por vezes até medo eram comuns para os inocentes que viviam ali, mas para Juan, era algo que não lhe causava qualquer efeito.

Talvez fosse por já estar habituado àquela vida perigosa: quando o pai trabalha para o chefe da máfia e com os cuidados certos, pouco se tem a temer, mas, para sua segurança, nem sempre podia sair à rua. Mesmo assim, tal como naquele começo de dia ensolarado, escapulia-se pela janela e ía dar uma volta à rua quando ainda ninguém estava acordado.

Apesar de o seu pai ser adotivo, ambos tinham uma relação extremamente próxima e entendiam-se perfeitamente bem quer a nível profissional quer a nível pessoal. Pouquíssimas vezes o assunto de ter sido adotado era referido em casa, mas para Juan, isso era um pormenor insignificante na sua vida, e não era por esse homem espanhol e solitário não ser o seu pai biológico que ele iria mudar a sua postura. Para quê pensar no passado quando se tem um futuro pela frente?

Para além disso, saber mais sobre os seus primeiros 4 anos de vida não era algo que lhe interessava no momento. As vagas memórias que tinha acerca do seu pai biológico traziam-lhe uma sensação de desconforto interior que ele não suportava. O seu pai contara-lhe que ele tinha sido assassinado e não tinha razões para desconfiar apesar de nunca ter contado os motivos e a causa da morte que Juan sabia serem do seu conhecimento. Também não interessava.

Devido a todo este desinteresse por assuntos moralmente corretos, Juan sempre fora visto como um ser humano insensível e frio por todas as pessoas que já haviam passado pela sua vida, mas isso era algo que também não o incomodava: o pai adorava a sua personalidade, tendo até contado que, desde que o vira, sabia que ele era uma pessoa extremamente forte emocionalmente.

E os seus olhos... O seu pai também os adorava, aqueles belíssimos olhos vermelhos escuros. Devido a todos as religiosidades em que acreditava, este dizia por vezes que ele devia ser o escolhido de algum demónio que usava os seus olhos para ver o mundo humano. Claro que o seu pai nunca o deixou por causa disso mas aconselhara-o a nunca sair à rua sem os seus óculos escuros pois sabia que os olhos podiam dar nas vistas ou assustar alguém por serem tão invulgares. E Juan seguia todos os seus conselhos à risca: nunca saia de casa sem os seus óculos. Mas isso não o incomodava; fazia-o sentir-se poderoso, como se tivesse algum tipo de poder místico que precisava proteger.

O que realmente o incomodava era ter de ficar dias inteiros fechado em casa, num apartamento minúsculo que em nada se comparava ao resto da riqueza que o seu pai possuía, mas, para sua proteção, estava impossibilitado de viver numa mansão luxuosa já que as probabilidades de qualquer um dos inúmeros inimigos do chefe, que esperavam uma descaída do mesmo para atacar, aumentavam exponencialmente. Se descobrissem quem ele era e a ligação que tinha com a máfia, o seu pai e o chefe ficariam em risco, tal como todos os seus negócios por Veneza.

Incomodava-o também não ter quaisquer tipo de sentimentos de amor ou de carinho por alguém exterior à sua pequena família mafiosa. A sua parte insensível falava sempre mais alto que qualquer outra parte emocional que existisse em si.

Às vezes, ele pensava no que seria ser normal, no que seria ter objetivos normais para a vida, como a maior parte das pessoas. Mas que poderia ele fazer? Ele não escolhera ter essa vida, fora essa vida que o escolhera, e também fora essa vida que assassinara o seu pai biológico e que fez com que o chefe mandasse o seu pai levá-lo para Itália. Pai esse que, para segurança de ambos, lhe impôs para que nunca o chamasse de "pai" na frente de outras pessoas potencialmente perigosas e sim de "Gustav", o seu nome, e isso era algo que também o incomodava. Mas que podia ele fazer? Não tinha escolhas ou qualquer tipo de opção mas acertada a seguir.

E por todas essas razões, apenas vivia a sua vida sem rumo, sem saber o que o dia seguinte o esperava. Por muito estranho que parecesse até para Juan, ele não desgostava disso.

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⏰ Última atualização: Mar 30, 2021 ⏰

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