A Brunna voltou

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POV LUDMILLA

Batalhei muito pra alcançar a fama, mas a vida pública é uma via de mão dupla. Não posso me expressar completamente, pois sempre serei julgada. Se já tenho lá minhas marcas por ser negra, imagina se eu fosse enfrentar a ira da imprensa ao revelar que gosto de mulheres?

Comecei a curtir meninas há muito tempo, mas no início hesitei muito para admitir porque eu temia o meu próprio preconceito. Daí beijei a primeira garota aos dezesseis anos e entendi que não havia escapatória. Depois disso, fui ganhando fama e, com a fama, medo de deixar transparecer a minha personalidade. Até da minha mãe, minha melhor amiga, eu escondi. Só tive coragem de falar quando fui tomada pelo efeito anestésico após uma cirurgia, pensei que ia morrer, talvez? Não sei, mas falei. Dona Silvana foi incrível, como sempre.

No entanto, ainda luto comigo mesma para entender o meu coração. Insisto em me rotular como danada, bandida, que pega e não se apega... Tudo mentira, óbvio. Acabo de sair de um relacionamento (com um homem, se é que isso importa) e ele destruiu meu psicológico, talvez meu coração.

Descobri que estava sendo traída e quis perguntar na cara dele, depois de ter certeza. Qual não foi a minha surpresa quando ele confirmou. Sim, confirmou. Disse na minha cara que me traía sim e que era melhor terminarmos. Sério, otário?

Explodi. Gritei, xinguei, fiz a merda toda. Homens acham que podem enfiar o pau em qualquer lugar e que está tudo bem. Tá tudo bem em ser galinha, pegador, afinal são ensinados a isso, né?

Cansei.

Estava no caminho para o ensaio de mais um show que estava sendo preparado pelo meu coreógrafo Edson, ou Bibiu, como carinhosamente chamávamos ele. Minha cara estava péssima, chorei de ódio a madrugada inteira. Minha mãe disse que era sintoma de coração partido... Coração partido o caralho! Eu queria ter metido a mão na cara do idiota que me traiu, queria bater em qualquer coisa agora só pra que essa sensação horrível passasse.

- Lud, tem certeza que quer estar no ensaio de hoje? Você tá horrível – Marcos, meu irmão, disse com uma expressão de pena.

- Nossa, valeu. Estou bem melhor agora. – Brinquei, ele riu e me abraçou no banco de trás do carro. O motorista nos levava ao local do ensaio – Preciso fazer algo que gosto pra me animar, essa não sou eu.

- Verdade, Ludiene, essa não é você. Sorriso, garota! – Marcos tentou me animar – Lembra daquela bailarina que trabalhou com a gente no início da sua carreira lançando seu nome? Ela voltou dos Estados Unidos e o Bibiu chamou pra fazer uma ponta no novo DVD.

Quando o Marcos terminou de falar, mil lâmpadas acenderam em minha cabeça. Brunna tinha voltado? Eu sabia muito bem de quem se tratava, uma bailarina muito gata que cruzou meu caminho há um tempo atrás. Muito gata, muito hétero também. Na época, nem dei muita confiança porque ela tinha umas amizades estranhas, inclusive até bloqueei a garota nas minhas redes sociais. Deus, eu sou patética.

Olhei rapidamente meu celular e vi que ela continuava bloqueada. Ri de mim mesma e o Marcos me olhou com cara de poucos amigos.

- Ihhhhh Lud, tá querendo rodar pé? – Marcos não perdeu a oportunidade.

- Te orienta, Markito! A garota é mais hétero que o próprio mundo hétero. E também não tô interessada. – Mentira, óbvio. Eu me interessei por ela desde a primeira vez que a vi num ensaio, lembro até a roupa que ela vestia... mas claro que eu não contaria isso pro Markito, ele ia me zoar eternamente.

- Uhummmmmm, sei!!! – Disse ele, rindo enquanto mexia no telefone.

O motorista estacionou o carro e fomos saindo, coloquei o capuz do moletom que eu vestia para me esconder pois estávamos na rua e meus fãs são do FBI, descobriam sempre onde eu me enfiava. Hoje minha cara estava horrível, eu queria não ter que tirar fotos ou sorrir sem vontade. Portanto, me escondi mesmo.

Markito me puxou para a academia onde a equipe do balé estava reunida, conversei um pouco com a minha empresária que me passou alguns detalhes sobre a contratação das meninas e sobre o novo show.

Por ter me envolvido com a burocracia, o ensaio começou sem mim. Entrei na galeria com o som estourando e diversas garotas dançando, sendo conduzidas por Bibiu. Quando entrei, todos os olhos se voltaram para mim, mas só um me chamou atenção.

Senti os pelos da minha nuca eriçarem e juro que poderia estar corada, o que era bastante idiota. Ela me olhou e apenas observando seus olhos pude saber que estava sorrindo, um sorriso sem dentes à mostra. A lace que ela usava era preta e lisa, os cabelos estavam amarrados em um rabo de cavalo. Notei que ela estava suada e ofegante. Deus.

Virei na direção de Bibiu, que riu brevemente.

- Lud, seja bem vinda! Quero apresentar as novas bailarinas do time: Carol, Larissa e Brunna. – Bibiu apontou para cada uma, que sorriu de volta pra mim.

- Bem vindas, meninas. Um excelente trabalho para todas nós. – Sorri de volta pra todas e o som voltou a rolar, todas voltaram às suas posições e o Bibiu retornou o ensaio.

Aprendi alguns passos, mas pelo espelho fiquei olhando a Brunna dançar com uma destreza que só Jesus... Ela vestia um short apertado e um top que marcava seus seios. O rosto dela estava bem vermelho e era linda demais dançando, como pode? Por que tão hétero????

Minha vontade era de chegar na garota naquele momento, vê-la dançando estava me enlouquecendo. Eu podia saber exatamente qual música estava tocando sem ouvir, apenas observado a mulher dançar. Tinha algo de muito erótico nisso, muito íntimo...

Ela percebeu que eu estava olhando e juro que corou, então desviei o olhar e continuamos o ensaio.

Horas depois do Bibiu acabar com todas nós, as meninas se dispersaram e eu me aproximei da Brunna apenas pra trocar uma ideia, senti que ela ficou nervosa porque começou a olhar pro relógio no pulso esquerdo.

- E aí? Tudo bem? Quanto tempo, ein? Foi legal lá nos estrangeiro? – Ri um pouco enquanto falava, porque eu também estava ligeiramente nervosa. O olhar da garota estava me matando, seria de propósito ou eu estava delirando?

- Oi, Ludmilla. – Ela disse meio sem graça, mas sorrindo – Tudo bem, e contigo? Sobre a temporada nos Estados Unidos, foi ótima. Aprendi e cresci bastante – Brunna arrumava as coisas enquanto falava, parecia uma forma de dispensar o nervoso.

- Pode me chamar de Lud, ok? – Eu escorei na barra que estava pregada na parede e fiquei olhando-a se atrapalhar com as coisas, tão linda e com essa carinha de metida!

- Desculpa, Lud. Pode me chamar de Bru, prefiro assim. – Brunna respondeu e se afastou, pegando no celular.

- Ok, Bru. Essa semana vai rolar um fervo na minha casa, você tá convidada! Chama os seus amigos também! – Eu disse também me afastando, pois teria que voltar pra casa logo para um banho, alguns compromissos me aguardavam.

Brunna me olhou com um cara estranha de quem não acreditava que eu estava dizendo aquilo, eu ri quando ela respondeu:

- Fervo? Aquelas festas que você faz que vão até o outro dia pela manhã? – Brunna arqueou uma sobrancelha, ficando ainda mais linda se é que pode ser possível.

- Sim, Bru. Já ficamos até a tarde também, se você aguentar a gente fica. – Eu provoquei.

- Tá louca! Não tenho disposição, mas agradeço o convite. Vou chamar o meu melhor amigo pra me fazer companhia, pode ser? – Ela sorriu.

- Claro! Te espero lá. Vou pedir pro Bibiu mandar o endereço e horário. Até mais, Bru! – Fui saindo da galeria e ouvi ela falar "Até, Lud".

Quem estava ansiosa pro fervo? Isso, euzinha. Pensei que meu coração estava dilacerado, mas era só ausência de propósito. Agora eu tinha um propósito: beijar a Brunna. E eu não sou de desistir fácil do que quero.

O negócio é torcer pra que ela queira o mesmo.

Voltei pra casa com esse pensamento na cabeça e uma certa baixinha que insistia em ficar na minha lembrança, dançando, linda, e sorrindo como nunca antes. 

Brumilla: amor improvável Where stories live. Discover now