Relógios Quebrados

1 I PRÉVIA

Ohara; 11:34

Era óbvia a insatisfação de Joanne Reinelmnn ao chegar no trabalho e encontrar três pilhas de papéis em cima da sua mesa. Já estava acontecendo de tudo em sua vida, a ponto de nem mais conseguir pensar. Morar na irmandade foi uma péssima escolha, por ter que dividir o quarto com pessoas que não trocam uma palavra com ela, por rumores alheios. Rumores os quais Joanne já tentou desmentir, mas o que parecia mais crível aos olhos de quem não a conhecia, era o que estava na boca dos outros. Afinal, rumores não podiam surgir do nada, não é mesmo? 

A pior parte de sua rotina, é ter que pegar dois trens para chegar ao trabalho. Como se já não bastasse, Joanne ainda arrumara um emprego nos últimos dois meses de cuidadora de cães. Era um trabalho tranquilo ao seu olhar, mas ficava em dúvida se valia a pena chegar todos os dias 23h e ainda ter que limpar a irmandade. Ok. Até aqui já está bem claro, Joanne não é uma pessoa sortuda. 

— Alycia quer tudo pronto até as 14h. — disse Kile, dando duas batidas na mesa de Joanne, que parecia quase catatônica olhando para as três pilhas. 

— O que?! — levantou a cabeça para o rapaz. — Mas já são onze horas. 

— Só vim avisar, querida. Ás 14h deixe tudo na minha mesa. — respondeu o rapaz, enquanto olhava seu celular, fingindo ler emails. Todos sabiam que não era verdade, mas fingiam que não. Balançou a cabeça, a fim de ajeitar a franja do cabelo e olhou rapidamente para Joanne, que parecia prestes a chorar. Encarava o rapaz com alguma esperança. — Olha, minha dica, é você não usar o tempo de almoço de hoje. Foca no que é pra fazer e pronto. Ok? — piscou e sorriu, desfazendo logo em seguida. — Bom, como eu disse, às 14h na minha mesa. 

Kile sempre fora assim. Com todos na Alyconfeccions. Começou a trabalhar na empresa de moda três anos antes de Joanne e aparentemente não irá sair tão cedo. O problema é que Kile, no último ano, começou a não gostar mais do que fazia, então teve uma brilhante ideia — na sua concepção. Dar trabalhos a recém chegada, Joanne, mesmo que de suma importância, e ganhar os créditos por cada um. Mas Joanne, inocente e lerda do que jeito que é, nem desconfia.

Ela olhou para os papéis a sua frente e resolveu começar. Seu trabalho é revisar cada folha e melhorar o projeto em um todo. E ela fazia muito bem isso, mas não tantos como naquele dia e com tanta rapidez. A caneta estava tão segura em sua mão que era capaz de atravessar a mesa que escrevia e seu pulso podia doer a qualquer momento de tão rápido que movimentava. 
Hum. Até que estou indo bem. — pensou.

Mas o tempo estava contra Joanne. Maddie passara por sua mesa e, por um acaso ou destino, derrubou todo o café de sua xícara na mesa dela. Tinha café por tudo. Joanne parecia nem piscar. Continuava escrevendo e escrevendo, ao passar para as próximas folhas. Ignorava o que tinha acabado de acontecer, mesmo que as folhas estivessem molhadas. O importante pra ela, naquele momento, era a entrega. Maddie se desculpava aos prantos, enquanto pra Joanne tudo estava inaudível. Como se tivesse apertado o mudo no controle remoto da vida.
O espanto e o desespero no olhar de Kile era perceptível. O rapaz encarava o ambiente de trabalho de Joanne com os olhos arregalados. Os mesmos que quase saltaram de seu rosto ao ver os papéis que estavam na mesa, encharcados. 

Uma pilha já foi. Joanne continuava, mesmo odiando o cheiro forte que seguia e grudava no ambiente. Maddie limpava a mesa, cruzando os dedos para que ninguém comentasse sobre o ocorrido e tudo ficasse bem, para que seu emprego continuasse garantido. 

E então o telefone de Joanne tocou. Naquele momento, ao atender o telefone e apoiá-lo no ombro, enquanto continuava a escrever, o mundo não parecia mais o mesmo. Tudo parecia estar em câmera lenta ao seu redor. As únicas coisas que pareciam existir eram ela e os papéis à sua frente.