Doses de Rum, Vilões e Piratas

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Era uma vez...

Quantas histórias magníficas não começam com essas três singelas palavras? Histórias que nos fazem sonhar, sobre príncipes, princesas e seres mágicos; que mães contam aos filhos antes de dormir e são eternizadas em livros, seguindo vivas nas memórias, terminando com um "felizes para sempre", depois que o vilão é derrotado.

Quantas histórias não nos são contadas? Quantos heróis são deixados de lado por autores desinteressados? Melhor... o que se dá dos vilões odiados? Qual a versão deles nos fatos? Já parou para pensar que, talvez, não sejam tão ruins como parecem?

Eu era apenas uma criança quando me ensinaram que Morrisse nunca foi uma boa pessoa e passava longe do posto de herói; que, acaso escrevessem sobre ele, não seria um conto de fadas, seu papel era de antagonista, destruindo os sonhos da personagem principal. Disseram-me para temê-lo e não sair na rua quando o grande Black Orion aportasse no cais da vila. Para meu próprio bem, mandaram-me ficar o mais longe possível de sua presença asquerosa.

Entretanto, no momento, o velho espalmava sua mão suja em meu rosto, deixando uma marca vermelha e dolorida. Seus marujos brutamontes riam, assistindo à cena.

— Ande, rapaz... Pode chorar! Eu sei que está com medo. Ninguém irá julgá-lo. — Morrisse soltou uma risada escandalosa, mostrando os dentes de ouro.

Mamãe dizia que cada uma daquelas peças douradas tinha sido colocada na boca do temido capitão após perder a dentição verdadeira durante um saqueamento, ou numa briga de bar. Morrisse era uma lenda. Um bêbado lendário.

— Eu não temo bêbados nojentos! — rosnei as palavras, sentindo uma espada pressionar meu pescoço bruscamente.

O dono do Black Orion parou de rir. Sua feição ficou séria instantaneamente, enquanto seus olhos assumiam um brilho estranho ao me fitarem.

— Por que não segue o exemplo das pessoas inúteis desse barco e cala a porra da boca, moleque? — o marujo que segurava a espada contra meu pescoço gritou, apertando ainda mais o metal afiado.

Segurei-me para não grunhir de dor quando senti a lâmina afundar na minha garganta. Respirei fundo, tentando buscar calma no meio do convés tomado por piratas.

Os passageiros do The Jezabels estavam amordaçados pelo chão, as mulheres choravam acalentando seus filhos e os homens desfaleciam pelos cantos, após tentarem lutar contra os piratas de Morrisse. Até mesmo o capitão Johnson, que gabava-se por suas incontáveis vitórias em duelos, encontrava-se caído perto da cabine de condução. Ao lado, jazia sua espada, intocada.

Restava apenas eu, tentando ir contra os invasores. Uma parte de mim sabia que aquele seria possivelmente o meu fim. Quem, em sã consciência, tentava lutar sozinho no lado oposto ao pesadelo do mar e sua tripulação sanguinária?

— Acha-se muito corajoso, não é mesmo? — Morrisse cuspiu no chão. — Olhem bem para ele, homens! — o verme tomou a espada das mãos de seu marinheiro, apertando-a ainda mais forte contra mim. — Nunca te disseram que piratas matam pessoas burras como você sem pensar duas vezes?

Eu ri, um gosto metálico tomou minha boca. Mamãe gostava de repetir sobre a fama assassina dos piratas; como matavam sem piedade as pessoas que se opunham a eles. Por ironia, seu filho estava na corda bamba da morte, com sangue escorrendo, numa trilha vermelha, do pescoço ao peito.

Senti como se tivesse desobedecendo-a naquele cenário. O The Jezabels, tomado por gatunos, enquanto o marujo que cerava o chão discutia com um dos saqueadores, exatamente como sua mãe sempre ordenou a não fazer. Mamãe rezava para que meu caminho nunca cruzasse com algum daqueles tratantes, especialmente o que segurava uma espada contra minha goela.

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