Capítulo Único

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Se não fosse aquele lugar, aquela situação, o coração de Ochako podia estar dando piruetas no peito. Nem em seus sonhos mais profundos podia imaginar que se encontraria em breve neste momento. Embora o ambiente não fosse o mais favorável – hospitais eram tensos e nebulosos, lar de notícias infelizes – ela sabia que, bem no fundo, estava feliz, mesmo não tendo motivos para isso. Encontrava-se ali, aninhada nas sombras da confortável cama de Midoriya, o cobertor sobre os dois, separados por apenas alguns centímetros. Tanto que, qualquer movimento que fizesse, correria o risco de tocá-lo. Comparados aos seus sonhos, aquilo era se encontrar nas nuvens.

Fora aos poucos e demorara bastante para notar o quão importante ele se tornava para si a cada dia. Primeiro como alguém que a salvara; logo alguém para se admirar, até que seu empenho e determinação a atingiram de tal modo que o que mais desejava era poder alcançá-lo, crescer ao seu lado e com ele. E agora, ali deitada, embalada pelo som de sua respiração suave e entrecortada, ela pensou que finalmente havia conseguido. Porém, seu coração não pulava de felicidade. Ele doía de tristeza e arrependimento.

Ergueu os olhos do travesseiro e observou atentamente a luz vinda da janela incidir e iluminar os cabelos verdes macios e suaves. Precisou conter a mão para impedi-la de se erguer e acariciá-los. Correu o olhar para as bochechas e as adoráveis sardas que se depositavam ali, ciente do jeito exato que elas se destacavam em seu rosto quando ele sorria. As pálpebras estavam cerradas firmemente, os cílios desenhando sombras na superfície da pele, escondendo os olhos sinceros e o brilho de alegria que eles ganhavam que destacavam sua cor verde que ela tanto amava. Os lábios pareciam macios e se encontravam repartidos suavemente. Precisou se segurar novamente para não erguer a cabeça e tocá-los com os seus próprios como gostaria de fazer. Tinha consciência de que momento não era o mais adequado para tal ato. A camiseta dele estava levantada, mostrando parte da barriga e dos músculos que eram visivelmente trabalhados todos os dias. Um dos braços se encontrava apoiado ao lado do corpo, enquanto o outro permanecia apoiado contra a barriga, dobrado sobre ela. Foi para esse braço que seu olhar recaiu.

Já havia se acostumado com a cicatriz que ele carregava na mão direita, resultado de sua luta contra Todoroki durante o Festival Escolar, e sabia o que ela significava para ele: a chance de prosseguir cada vez mais, superar todos os limites, até que pudesse enfim dizer "Estou aqui!". Porém, as demais marcas que desfiguravam do pulso ao ombro ainda causavam um desconforto em seu coração. Elas eram a prova que ele arriscaria tudo pelo seu sonho.

Mordendo o lábio, tomou coragem e puxou uma das mãos para fora da coberta e a deixou correr pelos músculos do braço, acariciando gentilmente, provando com a ponta dos dedos a textura das cicatrizes na pele. Eram ásperas e fundas. Emanavam uma frieza, como se o calor do corpo não fosse suficiente para aquecê-las, e se estendiam em intervalos regulares interrompendo a constituição macia da pele, se destacando sobre a cor desta. Quase impossíveis de serem ignoradas.

Com o coração acelerado, não pela vergonha, mas pelo sentimento de peso que recaía ao vê-las, deixou que as mãos parassem sobre elas e permanecessem lá, ansiando pelo contato de conforto, pela chance de sentir que tudo estava bem. Só que não estava. Ela sabia que aquilo não o impediria e que a próxima vez podia muito bem ser a última. O peso se enroscou ainda mais em seu peito. Sentia a necessidade de dizer alguma coisa, de fazê-lo entender que ainda havia algo precioso no mundo e que ele ainda deveria lutar mais e mais, ao invés de dar tudo de si por um único momento, mas sabia que jamais poderia falar tais palavras. Era uma heroína, como ele. E heróis precisavam fazer sacrifícios, mesmo que estes significassem colocar sua própria vida em segundo lugar.

Sentiu as lágrimas se acumularam sob os olhos e os cerrou para impedi-las de cair. Não podia lamentar agora, seria quase como se descartasse o valor do gesto que ele fizera. O calor da mão colocada sobre a sua a fez voltar a abri-los e logo se encontrava encarando os olhos semiabertos dele. Refletido ali não havia medo. Somente esperança. O conhecido brilho no olhar que era o responsável pelo salto em seus batimentos.

— Vai ficar tudo bem. — A voz veio baixa e rouca, mas o tom carinhoso. Como se ela quem deveria estar sendo confortada naquele momento e não o oposto. Midoriya não parecia totalmente consciente da situação, como se encontrá-la ali não passasse de um sonho, um delírio causado pelo uso dos remédios. Mas Uraraka não se incomodou, a oportunidade era preciosa demais para que pudesse se importar com os detalhes. — Não se preocupe. Eu estou bem.

E, mesmo sabendo que aquilo não era verdade, as palavras ajudaram. Acalmaram seu coração e fizeram-na perceber que continuava com a mão em seu braço. Tentou puxá-la, mas ele a manteve firmemente lá. Pele sobre pele. O calor fluindo pelo contato, tornando tudo ao redor insistindo e sem importância. E, sob os dedos de ambos, as cicatrizes ásperas e frias pareciam inofensivas. Os olhos se encontraram novamente e ele sorriu.

Uraraka podia visualizar com clareza as sardas se levantando nas bochechas, o erguer dos lábios e o leve fechamento dos olhos, o mesmo sorriso que ela via quando cerrava os olhos. Aquele que lhe inspirava a melhorar a cada dia. Então, mesmo ciente dos perigos e do quando lhe doía vê-lo machucado daquela forma, ela entendeu suas palavras. Aquela era a vida que ambos haviam escolhido, não existia espaço para arrependimento, para lamentar o que se havia perdido. Não quando o que se conseguira salvar se tornava bem mais importante, precioso.

Fechou os dedos ao redor dos dele, notando que seus olhos já se fechavam novamente e se agarrou aquela sensação quente e delicada com tudo o que tinha.

Tudo ia ficar bem agora.

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