A última dança

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Pouco antes da partida, Eliza limitou-se ao espaço da sala de estar.

Sabia que não poderia impedi-lo, afinal, era seu dever para com o país. E, por mais nítido que isso fosse em sua cabeça, o coração protestava apenas com a ideia de que o amor de sua vida preparava-se para uma viagem que talvez não tivesse volta.

Os tímidos raios de Sol daquele dia nublado entravam através janela entreaberta e, impulsionada por um sopro gélido, Eliza olhou para fora e notou que a estação havia mudado. "Quando aconteceu?", pensou. Sequer dera conta disso Possivelmente porquê sua atenção nos últimos meses estava voltada para as aterradoras notícias no rádio e o medo constante da convocação que, infelizmente, chegou após outro bombardeio.

Quando Jungkook desceu as escadas, segurando a bolsa em uma das mãos, Eliza levantou prontamente do sofá e a quietude reinou. Observaram-se. Os olhos cheios de lágrimas não derramadas dela permaneceram sobre a figura parada no primeiro degrau da escada de madeira, com o típico corte de cabelo e a farda militar. As botas pesadas e sombrias.

Aquela poderia ser, definitivamente, a despedida.

— Eliza. — a voz grave soou quase inaudível, segurando o timbre emocionado — Estou de saída.

Ao ouvir tais palavras, o desespero tomou conta dela, que apenas consentiu firmemente para manter as poucas forças que lhe restavam. Foi então que, jogando a bolsa no chão, Jungkook cruzou a pequena sala de estar e abraçou sua amada com toda a coragem que pudera reunir naquele momento. Senti-la colada a si era tudo o que precisava antes de ir.

— Eu sei que é uma mulher valente, mas eu ficaria melhor se você chorasse...

Eliza agarrou o tecido duro do uniforme e põe-se a chorar.

Freneticamente... Incontrolavelmente....

— Eu não quero que você vá! — gritou a plenos pulmões.

— Eu sei, meu amor. — suspirou — Mas, por favor, não torne as coisas mais difíceis.

Acariciou sutilmente o rosto da esposa e enxugou algumas de suas lágrimas; prosseguiu:

— Eu também não desejo ir, porém, é o meu dever.

Jungkook estava ciente de que possivelmente não fosse voltar e, ainda assim, não sentia pavor algum. Pois, sabia que estaria protegendo as pessoas que eram importantes para si. E, por esse motivo e se caso não retornasse, partiria sem qualquer remorso. Faria para dar a oportunidade aos que ficassem de encontrar a felicidade, para dar oportunidade à ela.

Afastou-se da esposa e olhou para o relógio.

Faltava pouco.

Ele caminhou até o gramofone no canto da sala e girou a manivela algumas vezes. Uma melodia animada ressoou no ambiente, a mesma dos bailes que gostavam de frequentar.

— Venha. — estendeu a mão — Ainda temos tempo para uma dança.

Trêmula, Eliza aceitou o convite de seu amado, que a aguardava com um doce sorriso.

Eles rodopiaram em cima do carpete azul, embalados pela alegre melodia, mas em uma dança dolorosa e envolta em melancolia. Ao longo daqueles breves minutos, o mundo pareceu parar e contemplar aquele momento tão íntimo deles. Tudo parou.

Não havia mais guerra ou despedida. Apenas o leve balançar de seus corpos.

Contudo, o sino do grande relógio badalou e trouxe consigo às oito da manhã daquela fatídica manhã. O silêncio inevitavelmente preencheu o ambiente de modo sombrio.

A realidade veio à tona.

— Eu preciso ir. — Jungkook não teve coragem para encará-la e somente tomou espaço — Eliza, eu só quero que saiba que te amo e que, para sempre, estarei ao seu lado.

— Jungkook...

Ele beijou os lábios vacilantes da esposa com todo o amor e angústia que sentia.

O último beijo.

— Por favor, não me acompanhe até a porta.

Virou o rosto rapidamente para que ela não pudesse notar as lágrimas que escorriam.

— Prometa que voltará para mim.

— Eliza.

— Por favor!

Ele permaneceu calado uns segundos; fechou os olhos e suspirou profundamente, tentando encobrir o medo que o afligia.

— Querida, nós iremos nos reencontrar... Algum dia.

Jungkook, enfim, põe-se a caminhar em direção a porta.

O caminhão com o restante dos convocados não demorou para estacionar diante da pequena casa e, pouco a pouco, a imagem dele se unindo a paisagem verdejante até quase perder de vista. Eliza, incapaz de suportar, permitiu-se cair de joelhos no chão e ali ficou até que ele desaparecesse por completo no horizonte.

A carta jamais chegou.

E Jungkook também não.

Tempos de guerra (Two-shot Jungkook)Onde histórias criam vida. Descubra agora