Eu havia acordado cedo, mas tinha ficado sabendo que não haveria mais aula. Era uma Quarta-Feira do mês de março, a pandemia do novo Corona vírus se alastrava em algumas partes do país e em algumas cidades do meu estado. Por enquanto a minha cidade estava em paz, porém, em alerta.
Não demorou muito para as escolas serem fechadas e logo a minha Universidade declarou entrar em isolamento. Eu estava dentro de casa, morando somente com o meu irmão e longe de minha família. Acompanhava as notícias pela mídia e diariamente assistia os números de casos crescendo juntamente com os de óbito.
O meu irmão começou a trabalhar em casa logo quando todos os comércios e empresas também aderiram ao isolamento domiciliar. Eu tentava passar o meu tempo assistindo séries, palestras online com certificados, lendo, escrevendo e pintando quadros. Sim, eu amava pintar, de coração. Era o que me fortalecia, e o que me distraía. E eu não fazia exatamente para mim, eu sempre pintava para os amigos.
Eu tinha alguém. Não era um namorado, mas era alguém. Tínhamos uma relação que eu não sei bem dizer como deveria chamá-la, mas era algo. Eu o amava e ele sabia disso. Não, eu não o tinha contado, ele havia percebido ou sentido. Sempre nos encontrávamos, geralmente em minha casa e geralmente esses eram os meus melhores dias. Porém, com o isolamento nos distanciamos fisicamente, mas ainda conversávamos e eu dava sempre o meu melhor para manter um diálogo envolvente e falando de tudo, sobre tudo, em longos textos no chat explicando sensações, emoções e paixões.
A distância e a prisão onde me encontrava começava a me afetar. Os primeiros casos surgiam em minha cidade. O pânico se instalava geral. Sem poder sair do município e sem poder entrar. A minha ansiedade crescia, estava sendo alimentava por uma chuva de notícias ruins, sobre as atitudes irresponsáveis do presidente, sobre as decisões horríveis do prefeito em resolver abrir todos os comércios novamente, sobre as milhares de mortes que começavam a crescer de forma devastadora. A minha ansiedade crescia.
Eu me importava demais com os outros. Acho que isso era empatia, mas tinha alguém que eu sabia que não estava bem. Ele. Sim, o meu amante. Quando ele sumia, digo, das redes sociais eu sabia que algo não estava bem. Quando ele surgia eu tinha a mania de perguntar se estava tudo bem, era uma péssima pergunta. Claro que não estava. As vezes ele desabafava, mas eu não sabia como reagir, acabava o consolando, mesmo sabendo que ele odiava ser consolado.
A minha ansiedade crescia. Eu me sentava na escada de casa e admirava a vista que dava para a serra. Eu sempre namorei aquela feição por amar Geomorfologia. A vista era bonita e eu sempre estava perto de minhas plantas, minha outra paixão. Às vezes eu fumava, mas não me considerava fumante, era a ansiedade que me fazia isso. Sempre a ansiedade.
Vou ser repetitiva sobre ela, porque foi a primeira vez que senti coisas que nunca sentia antes. Passou de uma fadiga rara a algo rotineiro. Era sempre a noite, tirando meu sono. Sentia o coração sair pela boca em batidas rápidas e palpitações repentinamente fortes. Logo começava a tremedeira no corpo, era incontrolável, um calor que subia na cabeça e parecia me dominar. Aí eu começava a gritar. Era a vez da crise de pânico agir. Não tinha outra escolha, fui atendida por uma ambulância na frente de casa. Não era seguro ser hospitalizada a essa altura da pandemia. Aferiram minha pressão, alta. Ainda continuava a tremer o corpo e sentia dores fortes na nuca. Tensão muscular. Me aplicaram uma injeção, apenas.
Eu voltei para a cama, ainda pensativa, porém mais calma. Eu havia enviado mensagens para ele. Sempre acho que vou morrer quando estou com essas crises. Claro, ele só respondeu quando amanheceu. Ficou preocupado. Às vezes eu achava que ele realmente gostava de mim. Era difícil entender ele, muito difícil. Ele sumia as vezes, ficava dias sem falar comigo. A minha ansiedade voltava. Eu não dormia mais. Estava ficando irritada, fadigada, estressada.
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Meu Anseio
RomanceMeu anseio relata a vida conturbada de uma jovem universitária após o seu país ser devastado pela pandemia do novo Corona vírus. Residente de uma cidade interiorana e distante da família, ela passa a viver em isolamento domiciliar enquanto o seu mun...