Prólogo

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Amélia

— Você vai vestida assim?

Me encaro no espelho, tentando ver o que tanto incomoda a minha irmã. Uso uma saia social cinza, abaixo da linha do joelho. A camiseta social branca está impecável, sem nenhum vinco sequer. Meus longo cabelos escuros estão presos em um coque apertado no alto de minha cabeça e a maquiagem leve que fiz cobre as manchinhas de sol de minha pele naturalmente bronzeada. O pequeno salto do sapato me deixa uns dois centímetros mais alta e estou me sentindo muito profissional.

— O que há de errado com a minha roupa?

— Ahm... — Ela faz uma pausa, me analisando. — Tudo? Precisa ir embrulhada desse jeito. Pelo menos abre uns botões nessa blusa, libera um pouco esses peitos, parece que vai sufocar.

— Minha roupa está perfeita. Não preciso mostrar decote, vou a uma entrevista de emprego, não a uma balada.

— Mas não precisa ir parecendo uma das senhoras da igreja.

— Preciso mostrar respeito, Rosália. Quero que me contratem pela minha experiência e minha competência. A última coisa que eu busco é atrair a atenção de alguém pela aparência. Isso nunca dá certo.

— E você acha que dessa vez vai dar certo?

— Tem que dar. Eu não posso continuar naquele escritório, ganhando um salário de merda para ainda ter que ficar ouvindo gracinhas daquele velho babão. Eu preciso que dê certo.

Não suporto o meu trabalho atual, mas foi o único que encontrei quando saí de casa junto com a minha irmã. Precisávamos pagar o aluguel e eu acabei aceitando a primeira oportunidade que apareceu. Mas o meu chefe é um escroto que não me respeita, porque eu sou mulher, e já aguentei essa situação por tempo demais. Preciso me livrar desse homem.

— Vai dar certo. — Ela se levanta da cama e abraça minha cintura. Eu retribuo, mas volto a alisar a minha camisa quando ela dá uma risadinha travessa ao me soltar.

As pessoas pensam que a maternidade faz com que as pessoas amadureçam, mas isso nem sempre é verdade. Rosália já tem vinte e um anos e ainda age como se fosse uma menininha. Mesmo que a bebê da nossa casa agora seja outra.

— Você acha que a titia está bonita, Manu? — Pergunto à linda garotinha de três anos sentada sobre a minha cama, vestida com o uniforme da creche.

— Titia linda. — Ela responde, com um sorriso no rosto.

Amo tanto essa menina. E não tem nada a ver com o fato de ela ser uma cópia exata minha. Minha irmã até brinca que passou pela dores do parto para gerar uma criança que pouco se parece com ela. A questão é que sua filha e eu puxamos o lado da família de nossa mãe, enquanto ela tem os traços da família do nosso pai.

Manuela é uma criança inteligente e muito amorosa, e sou muito orgulhosa de estar ajudando em sua criação. Não me arrependo das escolhas que fiz, nem das consequências, porque todas elas nos trouxeram aqui, juntas e unidas. Mesmo que a situação financeira não seja a mais favorável, acredito que somos felizes. Deus foi generoso conosco. E espero que esteja ao meu lado hoje.

— Você está com encomenda? — Pergunto à Rosália, ao me lembrar da questão monetária.

Minha irmã trabalha fazendo artesanato, principalmente crochê. Ela é muito boa no que faz, pena que não consegue cobrar o valor justo por seu talento. Ao menos alguma coisa do que aprendemos naquela casa ainda está sendo útil.

— Sim. Estou fazendo uns chaveirinhos de lembrancinha para um autora enviar juntos com seus livros para as leitoras. Está ficando uma gracinha. É uma encomenda grande e ela é bem conhecida, prometeu me indicar outras clientes.

Não Caio na Sua - DEGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora