Foi após intermináveis debates e argumentações consigo mesmo, após muitas tentativas de exorcizar a legião incorpórea e turva de seus medos, que John Sebastian retornou à causa que havia deixado tão apressadamente. Havia estado ausente por três dias; mas mesmo isto fora uma interrupção sem precedentes na vida reclusa e erudita a qual havia entregado-se totalmente após herdar a velha Mansão, junto com uma generosa quantia. Em momento algum havia definido por completo as razões de sua fuga: todavia a fuga parecera obrigatória. Havia uma certa urgência medonha que o impelira; mas agora, que havia se resolvido a retornar, a urgência havia estabelecido-se na forma de nervos exaustos pela dedicação excessivamente íntima e prolongada a seus livros. Ele havia imaginado certas coisas: mas essas coisas imaginadas eram patentemente absurdas e sem base alguma.
Mesmo se o fenômeno que o havia perturbado não fosse de todo imaginário, deveria haver alguma solução natural que não havia pensado com sua mente sobrecarregada. O amarelar súbito de um caderno recém-comprado, o desfazer das bordas das folhas, eram sem dúvida devido a imperfeições latentes do papel; e o estranho desvanecer de seus registros que, quase do dia para a noite, haviam tornado-se tênues, como se fossem escrita antiga – era claramente resultado de substâncias químicas baratas e falhas na tinta. O aspecto de antiguidade bruta, quebradiça e roída por vermes, que havia manifestado-se em certos elementos da mobília, certas porções da mansão, não mais era que a súbita revelação de uma desintegração oculta, que havia ocorrido sem que ele notasse, enquanto estava absorto pela dedicação meticulosa às pesquisas soturnas. E foi a mesma dedicação, com seus anos contínuos de esforço e confinamento, que trouxe seu envelhecimento prematuro; de modo que, ao contemplar-se no espelho, na manhã de sua fuga, ficara chocado e apavorado como se diante da aparição de uma múmia encarquilhada. Quanto ao criado, Timmers – bem, Timmers já era velho, e todos lembravam-se dele assim. Fora apenas o exagero dos nervos doentes que recentemente pensou ver em Timmers uma decrepitude tão extrema que o faria cair, sem o estado intermediário da morte, direto na podridão do túmulo.
De fato, podia explicar tudo que o havia perturbado, sem fazer referência aos conhecimentos selvagens e remotos, às demonologias e sistemas esquecidos que havia sondado. Aquelas passagens no Testamento de Carnagos, sobre as quais havia ponderado com esquisito desânimo, eram relevantes apenas aos horrores evocados por feiticeiros loucos de eras passadas.
Sebastian, firme em tais convicções, voltou à sua casa ao pôr do sol. Não tremia ou desfalecia quando cruzou o terreno que recebia a sombra dos pinheiros, e correu célere pelos degraus da fachada. Imaginou, embora sem certeza, se haviam de fato sinais de dilapidação nesses degraus; e a própria casa, conforme aproximava-se, parecia ter ficado um tanto derrubada, como se houvesse ocorrido erosão nos alicerces; mas isto, disse a si mesmo, era apenas ilusão trazida pelo crepúsculo que se iniciava.
Nenhuma lâmpada acesa, mas Sebastian não surpreendera-se com isto, pois sabia que Timmers, se deixado sozinho, costumava caminhar nas trevas como uma coruja senil, muito após o momento apropriado do acender das luzes. Sebastian, por outro lado, sempre havia tido aversão à escuridão ou mesmo às sombras; e recentemente a aversão havia aumentado bastante. Resoluto, acendeu todos os bulbos da casa tão logo a luz do dia começou a faltar. E agora resmungando sua irritação com a incompetência de Timmers, empurrou a porta e buscou apressado a fechadura do corredor.
Talvez devido a uma agitação nervosa que não percebera em si mesmo, perdeu um bom tempo sem achar o interruptor. O corredor era estranhamente sombrio e um reluzir do pôr-do-sol cinzento emanava entre os altos pinheiros para dentro do vão da porta por trás dele, mas sem conseguir penetrar além da soleira. Não conseguia enxergar coisa alguma; era como se a noite das eras mortas houvesse feito do corredor seu covil; e as narinas de Sebastian, ali onde ele havia parado, foram assaltadas por uma pungência seca, como se vinda de pó ancestral, odor como de cadáveres e caixões há muito indistintos na decadência pulverulenta.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Almanaque de creeppasta.
HorrorPara aqueles que buscam histórias de atormentar o sono, ou criar traumas, esse é o livro certo, com os contos mais assustadores encontrados na net, para o seu prazer.