A intervenção

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O som da cidade invadia a quarto, mesmo que as janelas estivessem fechadas e as pesadas cortinas que as cobriam. Oxenfurt era assim, a cidade do reino de Redênia era conhecida por sua natureza alegre e exaltação as artes, de fato, exaltava tanto que parecia que havia mais feriados do que dias uteis em seu calendário. Naquele momento estava ocorrendo um dos incontáveis festivais, música e risadas pareciam se alastrar pelo ar se mesclando com o cheiro de álcool das tabernas e bordeis, além do aroma das iguarias de todas as partes do mundo vendidas nas feiras. Tudo isso deveria ser abafado, mas insista em penetrar...

— No passado eu mesmo estaria ali fora...Dançando e cantando até minhas cordas vocais sangrarem e meus pés se encherem de calos. — uma voz cansada se manifestou no meio da penumbra. Nem mesmo as luzes da lareira foram acesas e as velas já queimavam os últimos milímetros do pavio e a cera praticamente nem existia.

— E o que te impede de ir? — alguém perguntou, uma mulher que parecia emanar sensualidade de seu corpo, personalidade e até mesmo o seu aroma (lilás e groselha). Era uma figura feminina alta, cabelos escuros com volumosos cachos e olhos de estupenda coloração violeta. Uma fita de veludo, uma estrela de obsidiana com diamantes ativos incrustados, pendia em seu pescoço.

Ela andava pelo quarto, tocando nos livros, pergaminhos e folhas jogadas e amotadas por quase toda a mobília e chão do abastado quarto. Avaliando de forma crítica.

— Talvez por eu ter mais de 70 anos e minhas pernas travarem mais do que andam. — respondeu dando um leve tapa em seus membros inferiores.

— Talvez se você fizesse mais exercício... — outra mulher opinou, ela tinha cabelos cacheados de cor castanho fresco, beirando ao rubro, que brilhavam ao reflexo do sol. Ou melhor, brilhariam se o sol adentrasse no quarto.

— Você vive em uma caverna, sombria e triste. —continuou a falar a primeira mulher.

— Yennefer...

— Não, Jaskier, você tem que me escutar! Esse tipo de ambiente não combina com você! Posso sentir a melancolia escorrendo pelas as paredes. Parece que a própria depressão resolveu assumir uma forma física e empestou o quarto!

— E tem todo esse frio...E estamos no verão! E quando foi a última vez que a roupa de cama foi trocada? Você tem condições para bancar uma empregada...Com toda a sua fama e tudo mais.

— Triss, achei que quando se tem dinheiro você pode viver do jeito que deseja...Não é isso que aqueles burgueses fazem? Com suas grandes mansões e orgias?

— E isso é viver?

Jaskier mirou as duas mulheres com ressentimento, mas sabia que havia verdade em suas palavras. Seu quarto era tudo isso que elas descreviam e mais. Ele era dono de uma residência nobre no centro de Oxenfurt, três andares, contudo Jaskier só ocupava um dos tantos quartos, fazia anos que não saia de lá.

— Esse festival... Você sabe que é em sua homenagem. O grande festival para o formidável Jaskier. Estão cantando as suas mais famosos baladas, tem até um concurso de bardos. —falou Yennefer com uma doçura que não lhe era característica.

— Eu recebi o convite para presidir a mesa do júri. — revelou o velho poeta — Mas acabei rejeitando a oferta.

— Jaskier... — Triss soltou um suspiro exacerbado — Você não pode continuar deste jeito! Excluído do mundo! Sei que envelhecer pode ser algo ruim...

— Vocês feiticeiras sabem? Anos se passaram e vocês ainda parecem jovens! Isso é muito hipocrisia de sua parte...Vocês não precisam temer a velhice!

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