Perdida e insegura. Foi assim que me encontraste tantas vezes na paragem do autocarro.
Triste e sozinha. Foi assim que decidiste levar-me para tua casa e dar-me a conhecer aquilo que, mais tarde, viria a ser o nosso cantinho do amor.A tua casa - pequena, porém a mais acolhedora de todas, naquela altura.
Costumam dizer que a nossa casa, de todos os sítios, é aquele onde nos sentimos melhor e, por muito estranho que te possa parecer, senti que a tua casa também se tornou na minha casa - porque era o único sítio que me transmitia alguma paz e confiança.A tua casa, o sítio mais barulhento onde alguma vez tinha entrei. E eu, naquela altura, se precisava de alguma coisa, essa coisa era de barulho, porque era a forma mais fácil de deixar de ouvir os meus pensamentos.
A tua casa, um sítio nem sempre muito arrumado, mas isso nunca me incomodou, pois por muita que fosse a confusão, era sempre muito inferior a toda aquela que tinha dentro de mim. Sentia-me desarrumada e desorganizada, tal e qual a tua casa.
- Olá querida! Desculpa a desarrumação, mas a minha casa não é um museu!!! É um sítio onde vivem pessoas. - foi o que me disse a tua mãe, assim que lá entrei pela primeira vez.
Desde então, percebi que o meu interior também não era um museu e, por isso, não tinha que estar sempre limpo e arrumado.
Nesse momento, também percebi que a tua casa não era um sítio de pessoas perfeitas e, então, senti-me completamente à vontade para te mostrar todos os meus defeitos e contar todos os meus segredos.Senti que era um sítio onde me iriam aceitar e, pela primeira vez em 17 anos, senti-me realmente aceite. Sem barreiras e sem tabus - foi na tua casa que comecei a tocar um pouco da liberdade.
A tua casa, cheia de detalhes e pormenores. Uma porta de madeira; os ladrilhos brancos; uma televisão sempre ligada; fotografias por todo o lado; luzinhas e candeeiros de toda a maneira e feitio; almofadas de todas as cores e mantas de todos os tamanhos. A tua casa era uma obra de arte, como todas aquelas pregadas na parede, feitas pela tua mãe.
A tua mãe era uma verdadeira artista. Uma excelente pintora e escritora. Aquilo a que chamo de narciso-artista, pois sabe apreciar e reconhecer valor a tudo aquilo que cria.
Despertou-me a atenção, a paixão e o amor com que fazia as coisas e, talvez por isso, houve um dia em que me dediquei a observar cada uma delas.Lembro-me que, no final desse dia, chegaste a casa e, mesmo que não estivesses lá com grande aspeto, percebi que a maior de todas as obras de arte, feitas pela tua mãe, eras tu.
Nesse dia, percebi que eras a obra de arte que há tanto procurava e não podia deixar-te ir embora, de forma alguma.
E não deixei.

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Conta-me como foi
Poésie" -Não quero acordar agora que tenho que viver sem ti! Custa-me abrir os olhos, porque a luz do dia se contrasta com a escuridão que sinto cá dentro! Dói-me sempre que respiro! (...) Anseio pelas palavras se, um dia, me pedirem para contar tudo isto...