Capítulo 5

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Alex Hunter

Hoje é um dia triste. O sol brilha lá fora, mas dentro de mim está tudo escuro e sem cor. Hoje faz um ano que perdi minha mãe, um ano desde que a única pessoa que me amava foi tirada de mim. Não tenho ânimo de fazer nada, quero passar o dia chorando.

Alguns meses atrás, em meio as minhas andanças por Manhattan, achei um ótimo esconderijo em SoHo, onde desde então eu passo todas as noites. É o porão de um antiquário, acho que o dono da loja mora no terceiro andar. O porão tem uma janela rente à rua que dá em um beco e em um dia de chuvoso consegui abri-la e entrei. Nele só tem algumas caixas amontoadas no fundo, uma escada de abrir e fechar, uma cômoda antiga e uma mesa pequena de montar e desmontar com quatro cadeiras, na realidade parece até abandonado, porque ninguém nunca desce aqui e nem as lâmpadas funcionam mais. As únicas coisas boas é que tem um banheiro completo e um colchão que estava encostado no canto e agora o uso para dormir.

Até chorei na primeira noite em que dormi sob um teto, protegido e deitado em um colchão. Parecia o céu. Todos os dias acordo cedo, arrumo tudo e o deixo como estava, sem vestígios de que alguém tenha dormido ali, depois eu saio e só volto quando anoitece. E tem dado certo, pelo menos é um lugar seguro para dormir, muito melhor do que os bancos dos parques e praças.

Mas hoje quebro essa rotina e fico deitado o dia todo, abraçado à foto da mamãe que encontrei na mochila. Estou com o coração apertado de saudade. Meus olhos marejam e me permito chorar e extravasar toda a angústia que estou sentindo.

— Mamãe, por que foi me deixar? Eu sei que te fiz uma promessa que eu tento cumprir todo dia, mas qual o sentido de viver assim? Não aguento mais ser sozinho, não suporto mais não ter ninguém no mundo, a vida se tornou tão triste sem você. Então por que continuar? Por que ainda lutar? — choro — me leve para perto de você, por favor, eu só quero ficar com você.

Passo o dia todo abatido, agarrado à fotografia, intercalando entre choro, desespero, tristeza e raiva.

Acabo adormecendo de puro esgotamento emocional, parece que toda a energia foi drenada do meu corpo. Acordo com o barulho lá fora, acho que foi alguma coisa caindo, devem ser os ratos revirando a lixeira do beco ao lado, mais uma vez. Quando tento voltar a dormir escuto uns soluços, apuro o ouvido e me aproximo da janela tentando escutar melhor, parece o choro de alguém. Abro a janela, pego minha lanterna e me arrasto para fora, usando a escada para subir. Não sei o que dá em mim, em nenhuma situação eu sairia do meu esconderijo seguro para investigar um barulho estranho, mas alguma coisa me impele a ir.

Vou andando devagar até o final do beco, onde tem duas grandes lixeiras. Atrás delas há uma criança encolhida no chão, abraçada às pernas e chorando de cabeça baixa.

— Olha aí a ratinha — falo me aproximando com cuidado e a iluminando com a lanterna.

Ela ergue a cabeça, é a garotinha mais linda que já vi na vida. É bem pequena, loirinha, com as bochechinhas gordinhas e rosadas e de olhos bem azuis, que agora estão avermelhados pelo choro, assim como o narizinho arrebitado. E está com o bracinho engessado.

Ela escuta minha fala e faz uma careta que a deixa ainda mais encantadora.

— Não sou ratinha coisa nenhuma — diz brava — eu sou uma plincesa. A plicensa Cindelela.

— Desculpe Cinderela, eu jurava que era uma ratinha. Posso me sentar ao seu lado, princesa? — ela dá de ombros e me acomodo no chão, ao seu lado.

— E então Cinderela, o que está fazendo aqui sozinha no meio da noite? Se perdeu do príncipe encantado, foi? — ela não ri da brincadeira, mas ao menos parou de chorar o que já é um alívio.

ENQUANTO EU RESPIRAR (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora