Inverno Russo {DEGUSTAÇÃO}

Carne

 RAINHA DA CARNE ecoa em minha mente. Aquelas vozes nunca se calam quando eu passo por eles. E a raiva me consome a ponto de querer explodir a cabeça de todos daquela maldita escola. Eu seria Kevin sem o arco e flecha, mas, armada até os dentes. Escolhendo quem morre e... bem, quem morre.

Passo pelo corredor de cabeça baixa. Troco a alça da mochila de ombro e continuo andando. Daniel ainda não correu ao meu encontro e se pendurou em meu pescoço desejando o maldito bom dia de todos os dias. Eu me pergunto onde aquela bicha se meteu.

- E aí, Rainha da Carne? – diz a piranha da Sonia. A aluna mais promissora do colégio Mackenzie. Ela vai se tornar puta assim que alcançar a maioridade, talvez ela consiga um seguro saúde.

- Pergunta pro seu pai – digo. – Chupei ele ontem à noite!

Com a boca aberta de espanto passo por aquela ruiva falsa, ouço ela me chamar de vagabunda suja, mas não ligo, entro na sala de aula. Sento no meu lugar e olho pela janela. Está chovendo lá fora. Queria que aqui dentro pegasse fogo.

O professor de geometria mal chega e já começa a rabiscar na lousa, tiro minha apostila e meu caderno, pesco algumas canetas soltas que caíram de meu estojo sujo de raspas de lápis. Enquanto finjo que estou anotando tudo o que está escrito em garranchos na lousa, eu desamarro minha caderneta do pulso e logo começo a me fechar para o mundo lá fora e me abrir para o meu mundo.

Não consigo deixar de pensar naquela noite. Faz três dias desde que minha pequena frustração deu inicio. Como ele pode fazer aquilo comigo? Foi muita patifaria da parte dele ter me deixado com as pernas bambas, o sangue fervendo nas veias, o sexo escorrendo enquanto pulsava furiosamente. E não conseguir alcançar sequer um filete de nota daquela intensidade que me faz querer dobrar o corpo e gritar por mais.

Pra ser bem franca comigo mesma, eu mesma me torturei como ele fez, imitando os mesmos gestos. Se ele não me deixou alcançar o prazer pleno, algum motivo havia. Eu gostei de ser punida daquela maneira. Nunca ninguém havia me tocado daquela maneira antes. Claro que eu sabia muito bem o que era masturbação, já vi inúmeras vezes meu pai metendo a mão gorda por entre as pernas de Lúcia. Ainda mais agora que ela está grávida e não quer que nada além de dedos a penetre. As pessoas tem vergonha de admitir que já flagrou seus pais em algum momento intenso. É cômico. Eu mesma me surpreenderia se alguém me perguntasse o que eles estariam fazendo, daria uma resposta digna de a Órfã: adultos trepam!

Meus olhos congelam sobre a página aberta de minha caderneta, milhares de Dimitri escrito em letra cursiva. Eu estou enlouquecendo por uma siririca inacabada.

E aquele jeito sombrio de sempre aparecer nos melhores momentos...

Cruzo minhas pernas ao lembrar como ele abriu os arbustos deixando aquela mão enorme de dedos cumpridos surgir no meio do nada verde. O jeito como ele se meteu debaixo de minha saia xadrez. Sinto o calor desenrolando por meu peito e desembocando por entre minhas pernas. O jeito como colocou minha calcinha de lado e puxou meus pelos crespos, abrindo caminho por entre os lábios molhados. Um suspiro escapa de minha boca.

Ouço uma gargalhada que me fez levar um solavanco ao abrir os olhos.

Um sorriso amarelo se abre. Sonia esta sorrindo na minha direção. Arqueia uma sobrancelha escura mal feita.

- Trepando em sonhos?

- Com seu pai na minha boca – retruco.

- Ei, ei, ei! – o professor logo começa a caminhar pelo corredor da minha fileira. – Está acontecendo alguma coisa aqui, meninas?

Sonia se prepara para o monólogo de sua vida que é justamente me ferrar, quando sutilmente o professor puxa minha caderneta sujando de giz colorido. Eu puxo com tudo e amarro furiosamente em meu pulso. Quem ele pensa que é para ficar tocando nas pessoas dessa maneira sem pedir permissão? Eu morderia sua mão, se minha cota de suspensão já estivesse à beira do precipício.