Um último desafio

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O que Niki conquistou na Itália deixou meu coração orgulhoso e mais tranquilo. Quando ele finalmente pôde me encontrar após a corrida em Monza, lhe dei o mais apertado dos abraços.

-Assim não consigo respirar - ele chegou a brincar.

-Não reclame, isso é por você estar são e salvo - respondi e olhei em seus olhos - eu estou tão orgulhosa de você, Niki, foi maravilhoso o que você fez, parabéns por não desistir...

-Obrigado, obrigado por me entender, mais uma vez - ele sorriu e me beijou.

Voltamos para casa então, aproveitando o tempo que tínhamos até a última e prometida corrida da temporada. Esse tempo fez muito bem para nós, enquanto ficava mais segura de que as corridas de Niki seriam mais bem sucedidas a partir de agora e seu rosto se cicatrizava por completo.

Foi uma longa viagem até o Japão, local da última corrida de 1976 da Fórmula 1. Apesar do cansaço, conseguimos recuperar nossas energias com uma boa noite de sono, mais um pouco das horas do dia de repouso. Eu sentia uma vontade de andar um pouco pela cidade, conhecer um lugar aqui e ali, mas se fizesse isso, estava quase certa que Niki não me acompanharia. Eu não podia culpá-lo por isso, entendia que estava completamente concentrado no que teria que fazer durante o fim de semana. 

Tínhamos poucos meses de casados, mas nos conhecíamos tão bem, eu sabia que era sua preocupação que tinha o deixado tão quieto e ele sabia que eu estava ansiando por uma pequena volta na cidade.

-Onde exatamente você gostaria de ir? - ele me perguntou de repente, com um sorriso de espertalhão, sorriso irresistível, aliás.

-O que? Como assim? Eu não disse nada... - respondi, meio distraída.

-Eu sei que você queria ir um pouco até a cidade, conhecer o Japão, conheço você, é assim que agiu toda vez que foi a um país diferente comigo - ele explicou.

-Olha, você tá bem certo, mas não quero te incomodar - eu ri.

-Não é incômodo nenhum, estou oficialmente convidando a minha esposa para sair comigo - ele deu outro daqueles sorrisos, não tive muita escolha além de rir e aceitar.

Nós andamos pelas lojas, restaurantes, e então escolhemos um deles onde poderíamos comer, por mais que Niki estivesse um pouco relutante com a comida local. Eu estava tão grata por ele ter paciência comigo, porque eu via que, toda vez que alguém olhava demais para seu rosto, ele ficava envergonhado, puxando a aba do boné um pouco mais pra baixo. Durante a refeição, fiz questão de lhe demonstrar minha gratidão.

-Obrigada por isso, eu sei que você não está... exatamente feliz com... o passeio - titubeei, tentando ser o mais delicada possível.

-O que? Não, estou bem, meu amor, sério - ele me garantiu - é claro que os olhares incomodam um pouco, é natural, mas estou me acostumando com eles, e na verdade, eu tenho que te agradecer por essa ideia, sair um pouco me ajudou a manter a calma.

-Tem certeza de que isso não é uma perigosa distração para o seu foco impecável? - tinha brincadeira na minha pergunta, mas eu queria saber se ele achava isso.

-Não, garanto que não, afinal a corrida é só daqui a dois dias - ele confirmou.

-Acha que está pronto pra mais essa? - eu ainda temia um pouco por ele.

-O mais preparado o quanto eu posso estar - ele assentiu - não se preocupe, farei o meu melhor, como sempre.

-Eu sei que sim - disse com toda certeza, acariciando seu rosto.

Foi então que o fim de semana chegou, os treinos foram tranquilos, a classificatória também, por mais que Niki tivesse ficado em segundo lugar, James na pole position, mas ainda assim parecia que a rivalidade deles não importava tanto assim, havia um acordo silencioso entre os dois de que vencesse o melhor. Choveu a noite toda antes da manhã de domingo, como um verdadeiro dilúvio, a previsão era de que continuaria assim por um longo tempo. Enquanto me preparava para os eventos principais do dia, a preocupação que tinha me deixado há tanto tempo, agora retornava de uma vez. Era a chuva e as más condições que tinham deixado Niki num estado entre a vida e a morte, e agora passávamos por isso de novo.

Eu percebi meu marido contemplar a chuva por diversos momentos, desde que saímos do hotel, até chegarmos ao circuito, estava claro que seus medos estavam tentando colocá-lo para baixo, mas mesmo assim, por trás disso, ele ainda tinha a mesma obstinação de sempre. Ficamos em silêncio nos boxes, enquanto o observava, desejava secretamente, um pequeno lado meu, que ele desistisse, que ele não fosse até lá, que não era necessário arriscar sua vida para provar ao mundo que era mais rápido que James, era isso que a maioria das pessoas esperavam ver naquele dia. 

Quando Niki olhou para mim, pouco antes de entrar no carro, era como se me implorasse silenciosamente que o deixasse fazer isso, porque de novo, ele não tinha escolha, e de novo, ele contava com minha confiança nele. No meu marido eu confiava, só não confiava na chuva. Só me restava pedir a Deus que o livrasse daquilo que nem Niki nem eu tivéssemos controle.

Eu o deixei, observei calada enquanto se posicionava. Trocamos um último olhar antes que ele fosse para o grid, pedindo que ele voltasse são e salvo. Mais uma vez, senti que ele me prometia que faria o seu melhor, como suas palavras de alguns dias atrás, sua voz ecoando em meus ouvidos. 

"Volte pra mim, Niki..." pensei, quando ele já não estava mais nos boxes.

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