Meu nome?

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Meu nome é Ae.

Não é um nome comum, eu sei, mas na verdade não houve uma explicação para isso, a história era que eu cheguei com esse nome no orfanato e nunca mudaram. Eu me tornei Ae e apenas Ae, como uma eterna lembrança de que não havia família nem sobrenome para mim. Até ano passado.

Ou seriam três anos? Eu perdi a conta, já não faz muito sentido o tempo deste lado do Universo, mas como Fluke insistia em dizer, contar o tempo é a única forma de nos mantermos ciente dele. Passei a fazer a contagem por hábito.

Mas não é por isso que deixo estas memórias nesses escritos, quem quer que seja que vai lê-los ou talvez e o que é mais provável que seja ninguém, acontece que já não tenho muito tempo e preciso fazer. Na verdade, faço porque devo, essa foi a última coisa que ele pediu a mim e em sua memória eu volto para fazer o que ele queria e não teve tempo. Contar aos parentes seu paradeiro...


Ae se levantou da cadeira de madeira e andou pelo pequeno quarto quase vazio.

Só havia uma pequena mesa, o tinteiro, uma pena vermelha que recebera de presente de Elridian e o livro gigante e em branco, por enquanto.

Lá em cima, no mirante, o mar se estendia soberano abaixo e além. Aquele farol abandonado foi o único lugar isolado que lhe foi permitido ficar até que completasse sua tarefa. Tinha pouco tempo e muito para escrever.

Ele suspirou e voltou ao trabalho, eram tantas coisas que reunir tudo em uma sequência lógica parecia loucura. Mas devia aquilo, por seu amigo...

Assim voltou a escrever...


Bem, tudo começou quando um advogado surgiu no último orfanato em que eu estava, alegando que havia uma avó e que ela me queria de volta. O orfanato adorara a notícia, pois queriam se livrar do peso de mais um interno e com uma rapidez impressionante arrumaram todos os documentos necessários para a minha partida.

A primeira vez que o advogado me encontrou para conversarmos, a primeira impressão que tive foi que ele era simpático demais, garantiu que minha avó realmente não sabia sobre mim até então e que ficaria feliz por eu ser parecido com sua filha, minha mãe. Mostrou uma foto dela e realmente a mulher do retrato tinha muita semelhança a mim, tanto que quase me fez acreditar.

Quase.

Eu não acreditava que aquilo fosse possível, dentro de mim sempre houve a certeza de que eu era sozinho e que não havia ninguém, nenhuma família para mim, na verdade era essa a única certeza que eu possuía naquela época.

No entanto, ainda era menor de idade e não podia decidir por mim mesmo, tinha apenas dezessete anos e assim tive que embarcar em um navio rumo a China - por que segundo ele, avião era desgastante - para encontrar essa avó em quem eu não acreditava e para um destino a qual eu jamais poderia imaginar em meus sonhos mais fantásticos.

Nunca, até então eu nunca tinha sido intuitivo, mas quando o navio deixou o porto da Tailândia, tive a sensação de que jamais voltaria a ver aquela cidade de novo, que estava abandonando o mundo tão restrito que eu conhecia até então, estava deixando tudo para trás e soube pouco tempo depois que estava certo.

Foi reservado para mim uma das melhores cabines do navio, coisa a qual obviamente não estava acostumado e, no entanto, não me importei, o luxo não me importava, havia crescido no meio de dificuldades em todos os sentidos e acabei por abandonar o supérfluo. Eu não me importava realmente, não me importava com quase nada nessa época e talvez essa frieza em mim houvesse colocado uma parede entre mim e o advogado que nas três primeiras noites só me fazia companhia nas refeições e depois desaparecia por completo.

AltraranOnde histórias criam vida. Descubra agora