CAPÍTULO I - A Chegada Outonal

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O céu de outono era cinzento e ausente de nuvens. O clima frio deixava as bochechas das irmãs Compagnia avermelhadas como maçãs, e, os lábios, ressecados como papel molhado sob a luz do sol. Uma brisa faceira levantava os fios mais rebeldes dos cabelos das moças sentadas à sombra da varanda florida da enorme mansão, cercada por cafezais e mais cafezais, cujas folhas secas recobriam o chão e eram levadas pelo vento, fazendo sons agradáveis, ainda que fantasmagóricos.

A dona da casa se sentava ao centro, exageradamente impaciente, com olhos vidrados na estrada de terra que vinha percorrendo todo os arredores de sua fazenda. Era uma senhora elegante, cheirava a perfume francês e usava roupas bordadas que pareciam pesar tanto quanto uma armadura de aço. Suas filhas se dispunham ao redor, segurando peças de bordado, livros e se deleitando com suco e bolo que a empregada serviu em outro instante.

Talvez por força do hábito - ou pela ausência dele -, o único rapaz da família se encontrava escondido na biblioteca, com os dedos empoeirados pela sujeira comum dos livros, analisando delicadamente cada palavra contida naquelas amontados de histórias e conhecimento. Seus cabelos eram tão negros quanto se podia imaginar, mas a pele era pálida como giz, típica de alguém que vive mais à sombra que a luz. Seus lábios eram vermelhos e ressecados, usava, a contragosto, o traje social de cetim azul escuro, com uma camisa branca extremamente fina que se acentuava a seu corpo exageradamente magro de uma maneira perspicaz e enluvada. Cheirava a avelã, livros velhos e a juventude. Sua mãe invejava isso. Sua capacidade de estar tão pleno diante de uma mudança tão bruscas em suas vidas a partir daquele fatídico dia.

Haviam recebido uma carta vinda do exterior alguns meses antes, endereçada ainda ao Barão, que havia falecido há alguns meses. Era diferente de todas as cartas que já haviam recebido antes, inclusive, detinha certo glamour e certa realeza, selada com cera e o brasão de um corvo de asas abertas, com a letra extremamente delicada, cheia de floreios, informando: de sua prima Emília, endereçada a até então Baronesa de Belarosa, título que haviam perdido após a queda da monarquia e proclamação da república - ainda que a matriarca insista em continuar a se referir assim, negando todos aqueles que lhe chamam de Senhora Compagnia, ou mesmo os terríveis que lhe chamavam de Beatriz, dona Beatriz. As boas novas eram tantas que mal podiam caber em uma ou duas páginas, então vieram quatro de uma só vez. Lady Emília Diamandis, prima de Beatriz que havia se casado com um lorde inglês há algumas décadas, avisava que estava com o seus dias em Manchester com os dias contados, sendo, inevitável, seu regresso próximo para seu país natal, avisando cordialmente que viveria próxima a sua família que lhe restava: a querida prima Beatriz, seus filhos e seu esposo Barão, que havia morrido e não era mais um barão.

Beatriz teve um leve surto com a leitura e precisou ser amparada por uma das filhas, Lucília, enquanto Liliana terminava a carta e contava as demais novas para toda a família:

— Comprei uma fazenda próxima a vossa e já mandei ordens para que as reformas sejam iniciadas o mais rápido possível. Quando menos esperar estarei chegando. Levarei comigo minha filha Sophie, de dezessete anos, meu filho Sebastian, de vinte e um, e meu esposo, Robert Locke. Um grande abraço, querida prima, anseio muito por voltar a lhe ver. Emília. Lady Diamandis — e a carta terminava com uma data de sua possível chegada, exatos três meses após a chegada daquelas palavras.

Beatriz entrou em êxtase. Todos os problemas financeiros da família, após a queda vergonhosa e expulsão repentina da monarquia, estavam com os dias contados. Finalmente os Compagnia poderiam se restabelecer na sociedade, usando da maior e mais útil das táticas de ascensão social: o casamento.

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