O paraíso é como eu imaginava.
A imensa solidão da minha mente de frente com a paisagem apaixonante que é o quintal da minha casa visto pela janela da sala. E não basta ser apenas um quintal comum, com grama verde que indica a vida em abundancia da natureza no terreno de minha casa, onde várias flores e plantas crescem e constroem suas raízes pelo solo fértil de Black River. Um lindo jardim iluminado por raios intensos de Sol perde facilmente para a elegância de um dia chuvoso.
É um ciclo perfeito. O céu nublado cobre a luz do Sol, e isso me trás paz. Dias de muita luz me desgastam e me deixam ofegantes somente pelo fato de olhar para as ruas cheias de pessoas fazendo caminhadas e corridas matinais. O calor é sem graça, nos tira muita energia, e é extremamente engraçado como os seres humanos preferem algo que gasta muito mais energia para se exercitar do que o clima mais fresco. O frio é o meu oxigênio. E creio que seja também o oxigênio das minhas plantas, em especifico. Elas parecem mais vivas e alegres quando a temperatura cai, e suas folhas se tornam dançarinas em época de chuva. As pétalas acompanham o ritmo das gotas que caem do céu, e formam a dança mais bonita que meus olhos podem presenciar sem que seja preciso ir ao teatro assistir à apresentação da Escola de Dança de Black River.
Dizem que a Escola de Dança da cidade é capaz de competir em nível nacional, pois suas performances são um espetáculo de cores e vida, capazes de transformar o dia arruinado de alguém em um momento feliz. Porém, a nossa cidade nunca teve sorte de se destacar nem mesmo no estado graças ao péssimo governo que é alimentado pela má conduta da família mais poderosa da região. É como se vivêssemos em uma prisão, cercada por florestas enormes, e não falo de florestas lindas repletas de biodiversidade, e sim de pinheiros gigantes cobertos de poeira causada pela fumaça da usina. A usina fica localizada na saída de Black River, e suas atividades são totalmente prejudiciais ao meio ambiente, e por isso as florestas daqui são afetadas e diferente de outras matas, a nossa não possui cor. Não possui vida. Apenas o gosto da morte causado pelo dinheiro, que é a coisa mais valiosa no mundo. E a população simplesmente não se importa de viver trancado na pequena cidade. Há quase dois séculos, o governo foi assumido por uma família que veio da capital, e então criaram a usina e disso veio o lucro. Desde então, as gerações da tal família ficaram no poder, e o silêncio da população em relação à poluição foi comprado com diversos truques baratos de políticos. E se esses truques não funcionarem... A força das autoridades entra em jogo. Você deve se perguntar: "Como isso nunca foi reportado para cidades próximas?" e eu te respondo: O sistema é complexo, meu caro. E nada quebra o sistema, nem mesmo o sistema que fica acima de nós. Tudo faz parte do mesmo jogo, da mesma obra, da mesma dança. E apenas duas danças se diferenciam disso tudo: As mágicas apresentações da Escola de Black River – que trazem a alegria capaz de disfarçar a verdadeira face dos sentimentos dos cidadãos da cidade – e a dança das plantas do meu jardim na chuva.
A sala da minha casa é relativamente grande. É um conjunto de cômodos: Sala + Escritório. No centro dela, há um tapete felpudo xadrez cor minério, com degrades em suas extremidades. De frente ao tapete, fica o sofá, da mesma cor, que ocupa uma parede inteira e mais a metade da parede que fica a televisão de 75 polegadas que comprei para assistir séries e filmes, já que a programação dos canais da região é ligada somente a estrutura da cidade pacata. Na parede ao lado, fica o meu "escritório". Composto de uma escrivaninha de madeira de dois pés feitos de pinheiro, e a prancha da mesa feita de madeira de carvalho maciço. Minha preciosa máquina fica em cima da escrivaninha: uma potente Intel Core i9. O notebook perfeito para quem não vive da usina, e sim de trabalhos que exigem contatos do exterior de Black River. Isso é perigoso? Claro. Mas eu jamais aceitaria viver como um robô nessa chatice toda, e resolvi explorar a internet na minha infância quando tive a minha primeira oportunidade. Desde então, cresci me aprimorando no mundo da tecnologia e aprendi ganhar dinheiro através disso, mesmo numa cidade de poucos recursos. E creio que eu seja o único, além da elite. E se me descobrirem, é provável que isso seja considerado um crime. Ao lado da escrivaninha, fica a porta que dá acesso ao restante da casa. E enfim, completando a minha extensa sala, a outra parede é feita basicamente de vidro. Uma enorme janela que ocupa um quarto do cômodo que me permite ter toda visão do jardim da casa. E o meu paraíso é formado pelas nuvens que cobrem os raios malditos de falsa esperança, carregados de água que ditam o ritmo da dança de minhas flores, e a música é o som das gotas de água em colisão com o vidro extenso, e o clima nublado fecha o ciclo de paz combinando com os tons cinzentos da tinta da parede e os demais detalhes do local. E quando meu paraíso é dominado pelo inoportuno inferno solar, as janelas são tampadas com cortinas... De cor cinza, claro.
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Duskwood - The Faceless
General Fiction[...] "Sabe qual é o lado ruim de te matar? É que eu só posso fazer isso uma vez." - Disse o rapaz com tom de frieza, mantendo sua postura de alta classe, observando com olhos sádicos o sangue de sua presa escorrendo por seus punhos." [...] The Face...