O Gato e a Lua

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  "E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música."

- Friendich Nietzsche


Sid era um gatinho peculiar. Ou assim todos diziam.

Quando, de um minuto para o outro, resolveu ultrapassar os limites da normalidade, não obteve apoio algum. Muito pelo contrário, loucura foi o termo usado para definir o que fazia. Era incompreendido por todos, até por si mesmo. E, quando menos esperava, viu-se mais sozinho do que nunca achara ser capaz.

Mas nenhum desses – nem mesmo Sid – compreendia, exatamente, o que passou em sua vida para que chegasse àquele ponto. Para que chegasse ao momento em que teria de decidir entre voltar atrás e permanecer no mundo inóspito das ruas, ou continuar a nadar em seu mar de loucuras intangíveis.

O que quer que houvesse escolhido, teve motivos para o fim. Motivos que merecem ser contados desde o início até o momento crucial de sua história.

Pois bem. Como dito, Sid era um gatinho peculiar.

Seu primeiro contato com o mundo exterior começou num beco escuro e desconhecido e nada mais. Apenas um beco, escuro e desconhecido. Um beco que, à primeira instância, revelara os piores pesadelos que um gatinho com meses de vida era capaz de ter.

Sid até teve uma vida, antes disso. Com uma família de dois humanos bem grandes e rabugentos que gritavam a todo o momento. Por algum motivo, não pareciam gostar quando o gato miava, nem quando arranhava e tampouco quando brincava. Não pareciam gostar de sua presença ali e a forma como encontravam para resolver tal decepção vinha em forma de gritos. Quando sua mãezinha fora embora, ele acostumou-se com os gritos. Mas, depois, teve de acostumar-se com o silêncio.

Pois então, ele continuou. Afinal, que outra escolha possuía?

Sid não encontrou melhor acolhimento nas ruas. As ruas congelavam ou queimavam. E tudo nelas congelava ou queimava junto. Não havia escapatória.

Teve um amigo. Lembrava-se vagamente de Solar, um gatinho ancião que morava na janela de um apartamento, perto de seu beco escuro. Numa noite fria, Sid foi atraído pelo brilho da janela e surpreendeu-se quando viu que um como ele escondia-se ali, quente e distante do lado de fora.

Eles brincavam nos tempos livres, quando a família de Solar não estava por perto. Patinhas e patinhas, umas contra as outras, separadas apenas por um vidrinho gelado. Foi o mais próximo que Sid teve de um amigo. Foi, de fato, um amigo.

Mal tiveram a chance de despedirem-se um do outro, pois o desaparecimento do colega ocorreu da noite para o dia. Brincavam numa madrugada e, na outra, o quarto estava apagado, vazio, sem nada. Nem mesmo Solar.

Sid miou por dias. Culpou-se pelo ocorrido. Ficou triste, desesperado e confuso e, desde então, já que nenhum outro voluntariou-se a conhecê-lo da mesma forma que Solar fez, tomou como único confidente os seus próprios pensamentos.

Mas isso não durou muito tempo. Pois, no que poderia ser considerado o melhor dos dias de suas sete vidas, Sid a encontrou.

Era uma tarde como qualquer outra. Os gatos do beco seguiam a mesma rotina em seu almoço: um imenso pedaço de sobras de peixe assado havia sido encontrado pelas bandas e, enquanto todos os seus colegas comiam, Sid contentava-se em satisfazer-se apenas com o delicioso aroma que emanava da comida, pois era fraco demais para conseguir espaço entre os outros gatos.

"Se quer comida, que cace a sua." Era o que o comandante de seu grupo lhe falava, sempre que reclamava de sua incapacidade de chegar ao lanche do dia a tempo de sobrar alguma coisa.

O Gato e a Lua (Conto)Onde histórias criam vida. Descubra agora