O parque

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"A despedida é uma dor tão suave que te diria Boa noite até o amanhecer..." Frio. É assim seu coração esfacelado. Adormecido em um peito gélido, sem pulsação, herdou a morte de suas vidas passadas. Apática por dentro. Resplandecente por fora. E se Julieta nunca tivesse amado Romeu? Viva. Catarina é a mais pura descrição dos devaneios de Maison. O dia que seus corpos colidiram, ainda que não se conhecessem, não restara nenhuma dúvida da necessidade de suas almas se fundirem. Se completariam os opostos? O céu começava a chorar. Contente? Triste? Deus, seus anjos e convidados observam o cordeiro e o leão se arrebatarem. As lágrimas que são derrubadas rega o chão, da dor agora há vida. E mais um novo amor. Hoje no cemitério da infância, entre os brinquedos, esses que um dia presenciaram sorrisos, agora escassos, nascem flores uma homenagem do diabo a todas as crianças que um dia brincaram ali uma última vez, sem saber que não voltariam. Em algum instante todos nós matamos a melhor parte do nosso existir; a pureza. Catarina com seu cabelo de fogo, caminhava quase que flutuando entre as sombras. Maison sentado lendo aquele velho e tosco romance, acompanhava com o olhar. Uma chama incendiava cada centímetro do seu corpo. E mesmo queimando resistiu a tentação. Seu coração, ou o que restou dele, não aguentaria ser arrancado do peito e servido. Mas, Catarina com o seu coração elástico aproveitou a oportunidade. Segura, percorreu todo o trajeto e alcançou seu breve destino. E mesmo sentido na superfície de seu corpo a tempestade que se aproximava. Não hesitou. Perto o suficiente para ser mais que notada, ela inclinou o corpo e rompeu a barreira exigida entre desconhecidos. – Se você ainda é capaz de ler nesse parquinho abandonado, que outras atrocidades será que você pode cometer? – Indagou Catarina, seu rosto normalmente pálido estava um pouco corado de uma bochecha a outra, em especial a ponta arrebitada de seu nariz. Sua pele sem marcas, intrigaria qualquer pessoa. Como seu corpo não transparecia nada em sua face? Intocada todos esses anos. Olhos amendoados, destacavam-se por um azul-acinzentado. Leves e desafiadores, não continham absolutamente nenhum sentimento. O desenho de seus lábios carnudos, formavam o mais perfeito arco do cúpido. Sobrancelhas grossas, alguns pelos desafiavam a manada e se isolavam, mas ainda sim de uma forma organizada. Não existe sardas ou pintas em seu mapa. Em um conto romântico sua beleza desafiaria até a perfeição. – É uma pergunta válida, acredito. – Um breve silêncio se instalou. – Se não gosta de Shakespeare, o que uma garota como você costuma ter na estante do quarto? – Retrucou Maison, ainda que tentasse não era o suficiente. Ele era apenas mais um dentro de um padrão. Todos somos? Em diferentes cavernas, grupos seletos de iguais. Quão distantes nós realmente somos? Um comprimento de cabelo ousado, um piercing na sobrancelha e alguns outros furos em seu corpo. Na bochecha esquerda uma marca gritante, talvez alguma espinha da sua adolescência já repousara ali. Uma enorme cicatriz na sua mão direita, mas a maior delas não era visível aos olhos. Só sentiria quem repousasse sua cabeça em seu peito, para ouvir as batidas desreguladas dos seus pedaços. – Bem, não diria que eu sou a maior fã dos clássicos românticos. – Insinuou, rapidamente se sentou ao lado de Maison, chegou um pouco mais perto. Face com face. – E essa ave estranha e escura fez sorrir minha amargura. Com o solene decoro de seus ares rituais. Tens o aspecto tosquiado, disse eu, mas de nobre e ousado, ó velho. Corvo emigrado lá das trevas infernais! – Mesmo que seu rosto não apontasse nenhum caminho para o seu "eu". O peso que colocava em sua interpretação era capaz de elucidar a mais profunda dúvida sobre sua essência. – Dize-me qual teu nome lá nas trevas infernais. Disse o corvo. – Completou Maison já enfeitiçado. – Nunca mais. – E suas vozes em total sintonia deram as mãos. – Não imaginei que gostasse de Edgar Allan Poe. – Com tom de surpresa disse Maison. – Eu posso ser uma surpresa nos seus dias. Talvez um tsunami na sua vida. – Dando com os ombros respondeu Catarina. – Tsunamis destroem. – Afirmou ele. – Talvez a gente precise derrubar algumas árvores, engolir algumas casas. Até mesmo arrastar alguns corpos. Para descobrir como reiniciar. – Com doçura concluiu. Era impossível descrever com palavras concretas o trabalho que seu corpo executava tentando não se deixar levar pelas emoções. Maison e Catarina continuaram uma conversa poética e preenchida de emoções. Combinaram de se encontrar na próxima tarde e levar trechos ou poemas para recitar, iriam sentar-se naquele mesmo banco com a tinta branca descascando, em frente ao mesmo escorrega que emanava ferrugem. Olhariam as pessoas que caminhavam do outro lado da pista, ao que parece eram os únicos corajosos o suficiente para frequentarem aquele parquinho onde a alguns anos um atirador disparou 8 tiros fatais. Dizem que ainda é possível ouvir todas as crianças chamarem por seus pais. Isso não era um problema para nenhum dos dois. Maison era incrédulo. Catarina que não estava a muito tempo na cidade não demonstrava nenhum tipo de emoção com a história. Eles se despediram quando a chuva ficou mais intensa. Preferiram não trocar números, eram desacreditados nas facilidades da internet. Compartilhavam pensamentos equivalentes e eram arredios aos avanços. Maison cogitou que usassem cartas como antigamente. Porém, Catarina se sentia violada em escrever para um "papel". Para ela o peso estava nas palavras ditas em voz alta. Maison quase não pregou os olhos, ele queria o melhor poema já escrito. Impressionar era seu maior desejo. Ficava rindo sozinho deitado na cama. Acho que ele tão retrógado era capaz de acreditar em amor à primeira vista. Por qual razão alguém iria rir a noite toda para um quarto vazio? Assumiu uma nova postura. Exagerado. E quando finalmente estava sonolento o sol despertava de um trabalho duro para outro igual. Não é fácil aquecer tantos corpos. E aquele jovem garoto de 17 anos parecia que corri para salvar um amor da forca. Reclamou o dia todo com seus colegas na escola "Essa droga de tempo que me persegue, se recusa a passar quanto mais eu admiro o relógio e corre quando eu não estou olhando." E nessa tarde o clima mudou. Quente. Uma saudação amigável, nenhum deles faziam questão de dividir futilidades dos dias comuns. Catarina tomou a frente nessa empreitada; conhecer o outro. E mostrou uma parte sua.
"E as árvores mortas já não mais te abrigam,
nem te consola o canto dos grilos,
E nenhum rumor de água a latejar na pedra seca. Apenas
Uma sombra medra sob esta rocha escarlate.
(Chega-te à sombra desta rocha escarlate),
E vou mostrar-te algo distinto
De tua sombra a caminhar atrás de ti quando amanhece
Ou de tua sombra vespertina ao teu encontro se elevando;
Vou revelar-te o que é o medo num punhado de pó."

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