CAROL
Dias tranquilos num hospital público são raros: ou significavam a premonição de uma tragédia ou alguma visita irritante da fiscalização. Daquelas que você não tem como esconder a precariedade do local porque não tem investimento.
Acompanhei o doutor Marcelo na retirada das amígdalas de um paciente que chegou por volta das seis da manhã reclamando de dor e a infecção só crescia.
Priorizei os atendimentos mais simples, como tirar pontos, limpar ferimentos e conferir pressão e temperatura. Sentia falta desse contato tranquilo mas tão importante no meu dia a dia. A tensão é infinitamente menor comparado as cirurgias que duram horas e você não tem certeza de como será depois.
- Carolina, tem um paciente que precisa de limpeza de ferimento, tá livre? - Martim, um dos residentes me tira dos devaneios e aceno que sim.
- Claro, qual é o ferimento? - Perguntei, querendo ficar a par da situação e dos cuidados que tinha que ter.
Ele explicou por cima que era um ferimento no ombro, ganhado há cerca de uns meses e que parecia estar com inflamação. Entramos na enfermaria e Martin me apontou o paciente.
Os ombros largos me chamaram a atenção de início e os olhos castanhos distantes junto com os braços fortes cruzados causaram um calorzinho bom nas regiões baixas, sentado nas cadeiras gastas do corredor de espera e uma tranquilidade rara de se ver. Não era o momento para nada daquilo, mas meses na seca me causaram esse tipo de efeito. Quase consigo ouvir Eliza surtando com um homem fardado como se Renato sendo policial militar não alimentasse a cadelinha que ela é.
Martim me entrega a prancheta com uma ficha contendo os dados do paciente e parte nervoso com medo de alguém chamar sua atenção por paranóias suas. O coitado sofre tanta pressão que mal consegue ficar tranquilo.
- Rodrigo da Silva Andrade, pode me acompanhar por favor? - O homem se vira e quase tenho um infarto. Ele é bem mais alto do que imaginei.
Ele se levanta em silêncio e eu, contendo o surto pelo espécime de homem me seguindo, o encaminho para a saleta com os materiais para limpeza do ferimento.
- Pode tirar a camiseta, por favor? - Sinto minhas bochechas ficarem rubras, e evito o olhar, conferindo todas as informações na prancheta. - Seu ferimento é no ombro, então preciso que tire para que eu possa olhar com precisão.
Olhar com precisão. Droga. Quase quis bater com a prancheta na minha cara. Rodrigo dá um sorriso de lado e tira a camiseta branca.
- Fica tranquila, doutora. - Ele diz, e sua voz combina com sua aparência. Totalmente gostosa de ouvir. - Não precisa corar por isso.
Faço uma careta tentando disfarçar a vergonha alheia enquanto ele retira a camiseta. É hoje que a equipe médica dá certidão de óbito para a funcionária que infartou com um homem bonito demais, não é possível um homem tão bonito assim.
O bonito parece ficar sem jeito e aponto para ele se sentar na maca enquanto faço a higienização e coloco luvas e máscara. Abro um pacote de gazes e pego o álcool para higienizar o ferimento. O ferimento no ombro parece obra de um açougueiro, pontos malfeitos, lateral meio verde e o centro roxo. Imagino a dor desse rapaz e tento entender como ele consegue manter a serenidade. Consigo sentir seu olhar enigmático enquanto limpo a ferida, anos de profissão tinham me ensinado a manter a linha profissional mas do jeito que esse homem me encara, vou desmaiar daqui a pouco.
- Há quanto tempo está assim? - Engulo seco tentando não me desconcentrar.
Ele olhou de relance para o ferimento e ergueu o outro ombro, como estivesse dando de ombros.
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𝐅𝐀𝐂𝐄 𝐓𝐎 𝐅𝐀𝐂𝐄, original
Roman d'amour𝐂𝐀𝐑𝐀 𝐀 𝐂𝐀𝐑𝐀 | Dizem que o tempo é relativo quando se ama alguém. Carol e Rodrigo se conheceram num hospital, mas apenas um ano depois eles ficaram juntos. Entre idas e vindas, problemas e um relacionamento a distância, eles verão que o amor...