Capítulo III - Pinturas dos Sonhos

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Sem pestanejar, Joel girou a maçaneta e lançou-se dentro do cômodo. O galho no qual pisava finalmente cedeu e se partiu, caindo no abismo sem fim.

Pôde respirar com tranquilidade quando a porta se fechou em sua retaguarda. Escorou no material de madeira e sentiu as ondulações da mesma tornando-se planas. A porta estava desaparecendo.

Cansado, permitiu que as pernas cedessem e deslizou pela parede até estar sentado no chão, deixando um rastro molhado na parede cinza. Por um momento havia se esquecido de que estava encharcado. Cobriu o rosto com as palmas da mão e soltou um suspiro pesado. Quando aquele sonho terminaria?

Por que não conseguia acordar?

— Ah! Você chegou! – ouviu a voz de Madeline. – Pensei que tivesse tomado o caminho errado...

Ergueu um pouco a cabeça e encarou a mulher por entre os dedos. As longas madeixas louras de Madeline estavam presas em um rabo de cavalo, o vestido exuberante fora trocado por um simples vestido preto de alças que, apesar do avental transparente de plástico que usava, tinha a barra próxima aos joelhos suja com tinta colorida. Os olhos azuis de boneca pareciam tão claros quanto seus olhos verdadeiros. Entre os dedos da mão esquerda da moça, havia um pincel médio com tinta preta na ponta, ameaçando pingar no chão branco.

As pupilas percorreram toda a extensão do globo ocular de Joel, analisando o cômodo. Nos cantos da sala, havia uma coleção de telas em branco, prontas para serem usadas, e uma estante com potes grandes de tinta. No centro havia um cavalete de pintura, onde Madeline escondia metade de seu corpo. Ela abriu um sorriso fechado para o homem e se pôs totalmente atrás do cavalete.

Joel podia ouvir o som familiar do pincel percorrendo a tela com delicadeza. Relaxou um pouco e jogou seus cabelos castanhos escuros para trás, ajeitando-os como podia. Pôs-se em pé e deu alguns passos silenciosos para frente, e ainda sim preservou alguma distância entre ele e a moça, mesmo que ela estivesse atrás do cavalete.

— Eu poderia fazer um quadro seu, Joel... Representaria o seu melhor ângulo... – disse a moça, medindo o homem com seus olhos inexpressivos.

— Mas você já não... – "fez um quadro meu?" completou em pensamento. É claro que ela já tinha feito um quadro dele. Não só um, mas vários. Coçou atrás da nuca, sem entender o porquê da moça querer fazer um quadro dele naquele instante, levando a consideração o estado de suas roupas. – Bom... Tudo bem...?

Um sorriso aberto se formou nos lábios da moça, mesmo que ela ainda estivesse concentrada em percorrer o quadro com o pincel.

— Só tem uma coisa me incomodando... – lentamente, os olhos de Madeline percorreram o corpo de Joel até encontrar seus olhos. Mesmo que os olhos não transparecessem emoções, ele sentiu o ar maligno em sua áurea.

— O-o quê? O que está te incomodando? – gaguejou e ousou retroceder um passo.

Madeline estreitou os olhos e colocou a mão na tela. Ela havia desenhado uma faca longa e afiada com a tinta preta, e agora trazia a pintura para a realidade. Se é que poderia chamar aquilo de realidade. Em um movimento rápido, lançou a faca na direção de Joel.

O homem sentiu o ar desaparecendo de seus pulmões, porém não conseguiu se mexer. A faca veio em sua direção, mas não o acertou. Sentiu a lâmina passar perto o suficiente de sua coxa para deixar um corte em sua calça e em seguida ouviu um guincho de um animal.

A moça não havia jogado a faca nele, e sim em Skipper, que estava um pouco mais atrás.

O coelho se contorceu no chão, com o objeto atravessado em seu corpo, e logo sucumbiu no piso branco. Os olhos vermelhos perderam o brilho e passaram a ser negros. Joel retomou o fôlego e voltou o olhar assustado para Madeline. A loira manteve-se séria por alguns instantes, observando o sangue do coelho colorir o piso, depois respirou fundo e abriu um sorriso:

Coelho BrancoOnde histórias criam vida. Descubra agora