Páginas 14 e 15

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É verdade que, nessa fase de sua história, apesar de sua inclinação por boa comida e bons vinhos, Herr Schindler encarava o jantar com o Comandante Goeth com mais desagrado do que satisfação. De fato, nunca houvera ocasião em que se sentar e beber em companhia de Amon não lhe fosse uma pesperctiva repelente. Entretanto, havia na repulsa de Herr Schindler algo de picante, um antigo, excitante senso de abominação - algo como a sensação que causa, numa pintura medieval, a vista dos justos lado a lodo com os malditos. Uma emoção que, por assim dizer, mais o aguilhoava do que acovardava.
No interior forrado de couro preto do Adler, que corria ao lado dos trilhos do bonde, no local onde até recentemente fora o gueto judaico, Herr Schindler - como sempre - fumava um cigarro atrás do outro. Mas a sua maneira de fumar era calma. Jamais se notava tensão nas suas mãos; sua atitude era elegante; seus modos indicavam que ele sabia de onde viriam o próximo cigarro e a próxima garrafa de conhaque. Somente ele poderia nos dizer se tinha de se fortalecer com uns goles de seu frasco de bolso, ao passar pela silenciosa e sombria aldeia de Prokocim, onde se via, parada junto ao leito da estrada para Lwów, uma fileira de vagões de gado, que poderiam estar transportando soldados de infantaria ou prisioneiros, ou até mesmo - embora fosse pouco provável - gado.
Já no subúrbio, talvez a uns 10 quilômetros do centro da cidade, o Adler dobrou à direita e entrou numa rua chamada - por ironia - Jerozolimska. Nessa noite de marcantes contornos congelados, Herr Schindler notou à primeira vista, abaixo da colina, uma sinagoga em ruínas e, depois, as formas nuas do que naqueles dias equivalia à cidade de Jerusalém, o Campo de Trabalhos Forçados de Plaszóvia, a cidade de casernas de vinte mil judeus inquietos. Os SS ucranianos e Waffen cumprimentaram cortesmente Herr Schindler, pois ele era tão conhecido ali como na Ponte Podgórze.
Quando chegou ao mesmo nível do Prédio de Administração, o Adler avançou por um caminho margeado por sepulturas judaicas. Até dois anos antes, o acompanhamento fora um cemitério judaico. O Comandante Goeth, que se dizia poeta, usara na construção daquele campo todas as metáforas que lhe ocorreram. Essa metáfora de tumbas arrebentandas percorria a extensão do campo, dividindo-o em dois, mas não se estendia a leste para a villa, ocupada pelo próprio Comandante Goeth.
À direita, depois da caserna dos guardas, erguia-se uma antiga construção mortuária dos judeus. Parecia proclamar que ali toda morte era natural, causada pelo desgaste, que todos os mortos estavam devidamente enterrados. Na realidade, o local er agora usado como a estrebaria do comandante. Embora estivesse habituado ao cenário, é reação de uma ligeira tosse irônica. Reconhecidamente, se alguém reagisse a cada aspecto irônico da nova Europa, essa reação passaria a fazer parte de sua bagagem. Mas Herr Schindler tinha uma imensa capacidade de carregar consigo tal bagagem.
Nessa noite, um prisioneiro chamdo Poldek Pfefferberg encaminhava-se também para a residência do comandante. Lisiek, ordenança de 19 anos, fora à caserna de Pfefferberg munido de passes assinados por um oficial graduado da SS. O problema do rapaz era que a banheira do comandante estava com um anel encardido em seu interior, e Lisiek tinha medo de ser espancado, quando o Comandante Goeth fosse tomar o seu banho matinal, Pfefferberg, que foa professor no curso secundário de Lisiek em Podgórze, trabalhava na garagem do campo e tinha acesso a solventes. Assim, acompanhado por Lisiek, ele foi até a garagem e apanhou um esfregão e uma lata de detergente. Aproximar-se da residência do comandante era sempre uma aventura incerta, mas significava a chance de receber comida de Helen Hirsch, a maltratada empregada judia de Goeth, moça generosa que também fora discípula de Pfefferberg.

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⏰ Última atualização: Jun 12, 2020 ⏰

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