00. Prólogo

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Ed não sabe o porquê de estar vivo. Em seus sete anos de vida tal questionamento cruzou mais vezes pela sua cabeça do que sua idade ou todos os dedos, incluindo os do pé.

O eco estridente, o qual correspondia com sua voz infantil, sempre perambulou pela sua cabeça, embora fosse mais comum aos outros de mesma idade sobreviver simultaneamente defronte suas próprias ações e sensações. Mentia com relação a aproveitar o tempo em conjunto com os colegas de classe e família, exceto o tio Alan, que tinha uma verruga preta intimidante no nariz, não havia modo de ignorar o medo de ser envolto por sua excrescência cintilante. As dúvidas sobre o mundo palpável cresciam assim que o silêncio era espalhado pelos cômodos, especialmente após seus pais o arrumarem para dormir e apagarem as luzes — embora não dormissem nesse horário. Ed tinha a total noção porque eventualmente acordava para ir ao banheiro fazer xixi e ainda ouvia a conversa dos dois no que era para ser um pálido e noturno silêncio.

Nunca foi de perguntar aos outros o porquê das coisas. Aprendia como um autodidata; foi por isso que se tornou estático ao ouvir dos pais que, após ter nascido, as despesas estavam aumentando e, com a vinda da futura irmã, não tinham ideia de quaisquer formas para manter a estabilidade. Sua certeza: falida. Era isso que resultava a vida adulta?

Começou a ir para o colégio sem seu disfarce. Cabisbaixo, não conseguia se relacionar com a tristeza. Conhecia o sentimento e podia exemplificá-lo quando, por exemplo, não ganhou o brinquedo que tanto pediu; estava inoperante, com o cérebro apático dominando-o nas aulas, nas provas e no próprio lazer. As comidas gordurosas do fast-food tinham o mesmo gosto, embora cada mordida era recheada de receio. A ideia de todos os chamados serem a última saída ociosa, sem prenúncio, rondava o pessimismo pueril. Os sorrisos e as conversas cotidianas pareciam todas falsas. "Por que papai e mamãe não guardam dinheiro?" Se perguntava.

Pela primeira vez na vida Ed questionou seu papel como filho. Valia a pena?

Mesmo com tão pouca idade em seus pensamentos passeavam as despesas que não sabia o custo, talvez o aluguel fosse o principal. Quanto devia ser? Os números ainda eram incógnitas. Mil? Milhões? Uma crescente de angústia tomava posse de todo ambiente embora fingissem controle; a tensão do atraso assumia forma física no momento em que o cobrador batia na porta. Ed fugia da realidade respondendo suas atividades; o mundo esvaziava e a mansidão viva recuperava a pequenez que devia ter. Os problemas, desde o nascimento, eram resolvidos naturalmente, torcia para aquele não ser exceção.

Quando seu pai bateu em sua mãe a primeira vez o garoto estava no quarto, focado nas questões de matemática. Mirar nessa área podia ajudar os dois endividados, já que para ele não se mostrava difícil guardar a mesada — sempre gasta para descobrir novos sabores de picolé na sorveteria. Seu preferido era o de manga. Algumas vezes sentia culpa por comprar de novo, isso não fazia parte do objetivo principal.

Descobriu a briga como uma discussão banal. Não eram de acontecer, mas haviam aumentado nesse período de esgotamento financeiro e psicológico. A mentira anunciada pelos dois foi a de um jarro quebrado, mas, se isso realmente houvesse ocorrido, o único vaso da casa não teria continuado no mesmo lugar no qual sempre esteve. Hematomas surgiram em sua progenitora ao decorrer do tempo e os prantos gemidos também se tornaram recorrentes, ao ponto de irritarem.

Ed se culpou.

Após dois meses sem receber o dinheiro de sempre se mudou com ela para casa da avó. Ficou abatido; não conseguira provar todos os picolés.

Como desaparecer completamenteOnde histórias criam vida. Descubra agora