UM ACORDO MALDITO

▪ 6 ▪

Um milagre.

Até os médicos concordaram. Não havia explicação médica para a súbita recuperação de Nora. Nenhuma maneira racional de descrever como o câncer havia acabado de desaparecer.
Poof.

Nem um traço deixado nela. Um milagre, todos concordaram. No fundo, eu sabia que não era o caso, é claro. Não foi milagroso. De fato, provavelmente era exatamente o oposto. Mas eu não me importei. Eu estava tão feliz que ela ainda estava aqui, ainda viva, ainda respirando. Eu nunca chorei como chorei naquele dia. Lágrimas de alegria. Quem sabia que tal coisa poderia ser real?
Semanas se passaram e aquela noite no porão desapareceu lentamente da memória. Eu acho que apenas superei isso, você sabe. Fingi que era tudo uma alucinação vívida, provocada pela privação do sono, desespero e tristeza. E quando Eric não ficou horrivelmente doente e morreu, como eu secretamente esperava, eu deixei tudo pra trás . A vida seguiu em frente.

Exceto que não. Tudo parou naquele porão. Talvez não tenha parado? Ficou fora de controle, como células cancerígenas.

Minha esposa se sentou comigo um mês depois. Precisamos conversar , ela disse. Pude ver pelo olhar em seu rosto que não era nada bom. Havia lágrimas, muitas delas, crocodilo e outras coisas, e uma expressão dolorosa e cheia de culpa. Ela queria um divórcio, ela me disse. Ela estava vendo outro homem há algum tempo agora, mas por causa do câncer e de sua morte iminente, ela não tinha coração para me dizer. Mas agora que ela estava saudável e tinha sua vida de volta, ela queria seguir em frente. Queria encontrar a felicidade novamente.

"Quem?!" Lembro de gritar. "Quem diabos é ele ?!"

"É ... seu irmão", ela fungou pateticamente. "É Stan."

Suponho que minha vida acabou aí. Traição vem em todas as formas e tamanhos, mas do meu próprio irmão? Minha própria carne e sangue? Era demais para suportar. E acho que já senti isso naquele momento. O ódio. Aquela raiva fervente, fúria e ressentimento, consumindo cada fragmento da minha existência a partir daí.

Ela se mudou no mesmo dia. Arrumou as coisas  e foi morar com meu irmão. Fiquei sentado na escuridão da minha sala de estar por dias, abastecido e alimentado por nada além de  ódio e ódio. Eu queria queimá-lo vivo,  Pregá-lo  na parede, tirar os olhos com uma faca enferrujada. Ele já estava morto para mim, mas eu também o queria morto para o mundo.

Meu pior inimigo.

E então, como um relógio, ele foi diagnosticado com câncer. Pancreático. Que palavra linda. Rola diretamente da ponta da sua língua. Pancreático . Instantâneo e terminal. Meu irmão morreu dias depois que foi diagnosticado. Ele se espalhou mais rápido do que qualquer coisa que eles já viram, eles me disseram. Um milagre reverso das sortes. Não chorei no funeral.

Acho que nunca mais vou chorar.
Nora não conseguiu lidar com a morte dele. Sua recuperação repentina seguida pela esperança de uma nova vida com um novo amor, sufocada instantaneamente por uma ironia cruel e hedionda. Ela se enforcou na garagem de Stan uma semana depois. Eu tentei chorar no funeral dela, eu realmente fiz, mas estava tudo vazio. Oco e vazio. Uma casca sem alma. Houve um momento, depois que eles abaixaram o caixão, um breve segundo de silêncio sereno. Sem pássaros, sem massas de luto, sem vento. Apenas um momento perfeito de tranquilidade. Eu podia ouvi-lo claramente então, no fundo da minha mente. Uma risada animada, uma risada calorosa.

Tenho a sensação de que conversaremos novamente em breve.
Assim como o crescimento incontrolável de células anormais, a soma acumulada dos meus pecados se espalhou para cobrir todos os aspectos da minha existência. Não há milagre, inverso ou não, esperando por mim no final da linha.

Não há luz no fim do túnel. Não há fim para o túnel. Não há fim.

Enquanto olho para as profundezas insondáveis ​​da minha alma vazia, só posso concordar.

Muito em breve.