Machado de Assis

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Carolina

Querida, ao pé do leito derradeiro
Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração do companheiro.
Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
Que, a despeito de toda a humana lida,
Fez a nossa existência apetecida
E num recanto pôs o mundo inteiro.
Trago-te flores – restos arrancados
Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa e separados.
Que eu, se tenho nos olhos malferidos
Pensamentos de vida formulados,
São pensamentos idos e vividos.


A saudade

Meiga saudade! — Amargos pensamentos
A mente assaltam de valor exausta,
Ao ver as roxas folhas delicadas
Que singelas te adornam.

Mimosa flor do campo, eu te saúdo;
Quanto és bela sem seres perfumada!
Que te inveja o jasmim, a rosa e o lírio
Com todo o seu perfume?

Repousa linda flor, num peito f 'rido,
A quem crava sem dó a dor funesta,
O horrível punhal, que fere e rasga
Um débil coração.

Repousa, linda flor, vem, suaviza
A frágua que devora um peito ansioso,
Um peito que tem vida, mas que vive
Envolto na tristeza!...

Mas não... deixo-te aí causando inveja;
Não partilhes a dor que me consome,
Goza a ventura plácida e tranqüila,
Mimosa flor do campo.

A uma senhora que me pediu versos
Pensa em ti mesma, acharás
       Melhor poesia,
Viveza, graça, alegria,
       Doçura e paz.

Se já dei flores um dia,
       Quando rapaz,
As que ora dou têm assaz
       Melancolia.

Uma só das horas tuas
       Valem um mês
Das almas já ressequidas.

       Os sóis e as luas
Creio bem que Deus os fez
       Para outras vidas.

Amanhã
Amanhã quando a lâmpada da vida
Na minha fronte se apagar, tremendo,
Ao sopro do tufão,
Oh! derrama uma lágrima sincera
Sobre o meu peito macilento e triste,
E reza uma oração!

Será uma saudade verdadeira,
Uma flor que me arome a sepultura,
Um raio sobre o gelo...
Ouvirei a canção das tuas dores,
E levarei saudades bem sombrias
Deste meu pesadelo.

Lembrarei além-túmulo essas noites
Misteriosas festivais e belas
Da estação dos amores!
Noites formosas, para amor criadas;
Que coroavam nosso amor tão puro
De ventura e de flores!

(...)Lembrarei nosso amor... E o teu pranto
Ardente como a luz de um sol do estio
Irá banhar-me a campa
E as lágrimas leais que derramares,
O astro beijará — que pelas noites
No oceano se estampa!

Um olhar, um olhar desses teus olhos!
Eu o peço, mulher! sobre o meu túmulo
Um olhar de afeição!
Assim o sol — o ardente rei do espaço
Deixa um raio cair nas folhas secas
Que matizam o chão!

Um olhar, uma lágrima, uma prece,
É quanto basta em única lembrança.
Teresa, ao teu cantor.
Chora, reza, e contempla-me o sepulcro
E na outra vida de um viver mais puro
Terás o mesmo amor.

Cala-te, amor de mãe
Cala-te, amor de mãe! Quando o inimigo
Pisa da nossa terra o chão sagrado.
Amor de pátria, vivido, elevado,
Só tu na solidão serás comigo!

O dever é maior do que o perigo;
Pede-te a pátria, cidadão honrado;
Vai, meu filho, e nas lides do soldado
Minha lembrança viverá contigo!

É o sétimo, o último. Minh’alma repartida,
Vai toda aí, convosco repartida,
E eu dou-a de olhos secos, fria e calma.

Oh! não te assuste o horror da márcia lida;
Colhe no vasto campo a melhor palma;
Ou morte honrada ou gloriosa vida.

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