Caio Fernando Abreu

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Oriente

manda-me verbena ou benjoim no próximo crescente
e um retalho roxo de seda alucinante
e mãos de prata ainda  (se puderes)
e se puderes mais, manda violetas
(margaridas talvez, caso quiseres

manda-me Osíris no próximo crescente
e um olho escancarado de loucura
(um pentagrama, asas transparentes)

manda-me tudo pelo vento;
envolto em nuvens, selado com estrelas
tingindo de arco-íris, molhado de infinito
(lacrado de oriente, se encontraste)

Stone song
(Porto Alegre, 1996)

Eu gosto de olhar as pedras

que nunca saem dali.

Não desejam nem almejam

ser jamais o que não são.

O ser das pedras que vejo

é só ser, completamente.

Eu quero ser como as pedras

que nunca saem dali.

Mesmo que a pedra não voe,

quem saberá de seus sonhos?

Os sonhos não são desejos,

os sonhos sabem ser sonhos.

Eu quero ser como as pedras

e nunca sair daqui.

Sempre estar, completamente,

onde estiver o meu ser.

Vem navegar na minha vida

Vem navegar na minha vida

Faça de conta que meu corpo é um rio,

Faça de conta que os meus olhos são a correnteza,

Faça de conta que meus braços são peixes

Faça de conta que você é um barco

E que a natureza do barco é navegar.

E então navegue, sem pensar,

Sem temer as cachoeiras da minha mente,

Sem temer as correntezas, as profundidades.

Me farei água clara e leve.

Para que você me corte lenta, segura,

Até mergulharmos juntos no mar

Que é nosso porto.

Faz anos navego o incerto

Faz anos navego o incerto.

Não há roteiros nem portos.

Os mares são de enganos

e o prévio medo dos rochedos

nos prende em falsas calmarias.

As ilhas no horizonte, miragens verdes.

Eu não queria nada além

de olhar estrelas

como quem nada sabe

para trocar palavras, quem sabe um toque

com o surdo camarote ao lado

mas tenho medo do navio fantasma

perdido em pontas sobre o tombadilho

dou a face e forma a vultos embaçados.

A lua cheia diminui a cada dia.

Não há respostas.

Queria só um amigo onde pudesse jogar o coração

como uma âncora.

Rômulo

Era verão, era de tardezinha,
um de nós cantou uma música de Tom Jobim
Falando em verão, em tardezinha. O sol caiu no mar,
aquela luz lá embaixo se acendeu, descemos da Barra
pra Copacabana e fomos ver o show da Gal cantando
deixa sangrar.
Fazia calor, vestíamos inteirinhos de branco,
acreditávamos nas coisas dum jeito que seria tolo
se não fosse tão verdadeiro. E tão bonito
(a gente nem sabia, mas tudo era simples
e nossa dor não era quase nada.)
Dia seguinte, menti que ia morrer e você foi embora estudar acupuntura
Eu fiquei, viajei, tomei droga,
Gozado é que não morri.

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