PRIMEIRO ATO

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É um desastre! Um completo desastre! Se há algo mais desastroso do que isso, eu desconheço! Deixe-me soletrar para vossa melhor compreensão D E S A S T R E. DESASTRE! — Meu alterego, que gosto de chamar de Emrys, grita insistente em minha mente

Estamos discutindo por horas a fio sobre o que fazer para que a nossa, digo, a minha; vida no ensino médio realmente valha a pena. Estou no quarto ano e, embora doa-me imenso ter de admitir tamanha atrocidade, jamais vivi uma aventura que realmente valesse a pena ser contada. Gosto de pensar que se minha vida fosse uma peça de teatro ela seria a peça mais parada e sem graça de todos os tempos.

Agora, se eu estiver certo, você, caro expectador, deve estar a se perguntar o porquê de eu gostar de pensar de tal maneira, estou certo? Não se preocupem, irei explicar-vos minuciosamente.

É muito mais fácil partir da prerrogativa de que minha vida encontra-se imersa em um limbo de coisas sem graça se eu presumir que tudo isso se deve ao fato de que o roteirista de minha peça teatral se embebedou e escreveu tudo completamente errado, fora de contexto e sem rumo algum; ao menos é muito mais fácil do que simplesmente admitir que a culpa é única e exclusivamente minha e de minha péssima mania de sempre querer agir como um adulto.

Checo minha aparência no espelho uma vez mais. Não estou, de um todo, mal. Estou trajando as roupas "de sempre" as mesmas roupas que me fazem passar despercebido por entre a gama de alunos; tal como se eu fosse completamente invisível.

Não estou a reclamar. No colégio há os populares, mais conhecidos como os praticantes de bullying; os nerds, mais conhecidos como os que sofrem bullying e os invisíveis, que estão imersos em um limbo entre os nerds e os populares. No fim do dia é muito mais benéfico estar no limbo do que fora dele, pois isso lhe mantém fora dos armários e das lixeiras, afinal.

— Querido; vai se atrasar! — Minha mãe grita da cozinha pelo que deve ser a quarta vez

Apanho minha mochila e forço-me a esboçar um sorriso. O colégio pode não ser um completo paraíso para mim, porém devo admitir que está longe de ser um inferno; tendo isso em mente, não vejo motivos para preocupar minha família ao demonstrar que não estou nem um pouco a fim de imergir-me em mais um dia de estudo.

— Bom dia, mamãe. — A saúdo, beijando-lhe a bochecha

Estava prestes a sentar-me para desfrutar do maravilhoso café da manhã preparado por ela quando uma buzina soou desesperada através dos muros de minha casa. Embora tenha tentado com veemência, não fui capaz de evitar um rolar de orbes; creio que possa culpar a minha veia dramática por este ato completamente desnecessário.

Peguei uma das torradas e corri através da cozinha, nem ao menos me dando ao trabalho de despedir-me de minha família. Kevin sempre foi impaciente em demasia, certamente me deixaria para trás caso eu não me apressasse. Para ser sincero, tenho certeza que ele já teria ido para o colégio, não fosse por sua irmã — que, felizmente, é a minha melhor amiga — ter intervido por mim.

— Bom dia. — Tento esboçar meu melhor sorriso

O dedo indicador de Krishna se elevou, em um pedido silencioso para que eu esperasse até que ela terminasse de passar seu batom que, nesta manhã; possui uma tonalidade negra.

— Bom dia. — Ela disse, por fim, virando seu corpo para trás ao mesmo passo em que desceu a janela de sua porta por completo

Dois toques foram dados no braço direito do mais novo entre nós que, com um bufar melodramático, deu partida no carro, rumando para o colégio.

— Você está especialmente bonito hoje, Julian. — Kris disse, a convicção presente em sua voz quase fazendo com que eu tomasse o elogio por verdadeiro

Não entendam-me mal, caros expectadores, não digo isso no intuito de denegrir minha amiga; tampouco estou a afirmar que duvido de sua sinceridade. Apenas estou a dizer que eu sou incapaz de enxergar algo verdadeiramente especial em mim. Quero dizer, sou apenas mais um adolescente ordinário dentre vários adolescentes ordinários.

A palavra ordinário é aqui usada no intuito de descrever alguém comum, alguém que vive imerso em coisas consideradas rotineiras e que não faz nada para mudar sua realidade. Resumidamente, a palavra ordinário está sendo utilizada nesta narrativa para descrever pessoas que são exatamente como eu e vivem imersas na comodidade.

Comodidade.

Esta é a palavra perfeita para descrever minha vida. Minha vida sempre foi bem cômoda; nunca vivi grandes aventuras, nunca ousei sair de minha zona de conforto e há uma grande probabilidade de que eu seja o único adolescente de dezoito anos de todo aquele colégio que nunca deu um beijo sequer em toda a sua vida academia.

— Ei... Terra pra Marte, ou, seja lá em que planeta você está. — Kris esgoela na mesma medida em que sua mão direita passa em frente aos meus olhos de maneira frenética

— Oi? — Pergunto confuso

Admito que estou constrangido por não estar a prestar atenção na garota de cabelos de algodão doce, contudo, não é como se ela estivesse a falar algo de suma importância, afinal. Normalmente nossas conversas no carro se resumem a coisas completamente frívolas e supérfluas; tal como o fato de a capitã das líderes de torcida ser uma péssima animadora e apenas ter conseguido chegar onde chegou devido ao fato de ela ser sobrinha do prefeito da cidade.

Normalmente eu amo nossas fofocas matinais, é o jeito que encontramos de destilar nosso veneno contra os populares para que, desta forma, todo nosso veneno não nos engasgue durante o dia; mas hoje eu simplesmente não estou na vibe. Culpemos Emrys — meu alterego, caso não estejam se recordando — e nossa breve discussão matinal por toda minha frustração e exaustão mental.

— Caiam fora do meu carro, perdedores, antes que os caras me vejam chegando junto de vocês. — A voz de Kevin, o deus Apollo do Paraguai ressoa pelo carro, retirando-me de meu transe

Por várias vezes peguei-me a indagar sobre como é possível que alguém tão doce e meiga quanto Krishna possua um laço sanguíneo com alguém tão frio, idiota, arrogante e pau mandado quanto Kevin.

Creio que esse seja apenas mais um dos mistérios que rondam a humanidade.

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