Prólogo

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Eu posso me imaginar do outro lado, olhando para mim mesma, esperando algum tipo de resposta. Algum tipo de compensação. Mas não há. Nem nunca haverá. É a ordem natural das coisas. Caos. Eu não vou encontrar a razão para tanta dor, tanto ódio, tanta violência. O que eu iria dizer? Que perdi o controle da minha vida, sendo que nunca o tive? Eu nunca tive o controle. É como se tivesse fechado os olhos por poucos segundos e todo o mundo tivesse desabado em minha cabeça. Há momentos da vida que são assim: você não sabe ao certo como chegou; só sabe que quer sair. Eu estou em um desses momentos agora. E acredito em mim mesma quase tanto quanto duvido.

Sentada no chão de uma sala de aula mal iluminada, pressiono minha mão sobre o buraco aberto em minha pele, tentando, inutilmente, evitar que mais sangue fuja pela ferida. Minha blusa está encharcada de suor e sangue, mas o que realmente me incomoda é a dor pulsante vinda do interior do ferimento. Posso sentir meu corpo rejeitando o estranho metal que perfurou minha pele e agora é um intruso dentro de mim.

Dou uma risada nervosa ao lembrar os testes vocacionais feitos no decorrer deste ano. Em nada sinalizaram que meu futuro poderia não ser tão banal quanto imaginei. Eu sempre temi que me tornasse um tipo de adulto comum. Nunca imaginei que fosse desejar tanto ter uma vida simples e ordinária.

As coisas já foram alguma vez simples para mim? Aquela sensação de desencaixe sempre me acompanhou? A verdade é que nunca senti que as outras crianças gostassem de mim. Será que foram gentis comigo em algum momento? Eu realmente não lembro.

Talvez eu tenha me fixado demais nas lembranças ruins. Talvez eu tenha ignorado o "deixa pra lá e siga em frente", como eles dizem. Talvez, por isso, eu tenha me fixado demais naquele que foi a pior e a melhor coisa que já me aconteceu. Naquele que me ajudou a mergulhar fundo na minha própria escuridão.

Mesmo as lembranças mais desagradáveis da minha infância não me prepararam para o que seria a fase mais infernal de todas. Alguém realmente é feliz na adolescência? Alguém consegue realmente ser feliz em qualquer fase que seja?

Passei a vida esperando o dia em que seria feliz. Se esse dia realmente chega, pelo visto, nunca saberei. Uma hora você cansa de buscar o que eles chamam de felicidade. Às vezes, é mais sensato aceitar de uma vez que o sofrimento faz parte da experiência humana. E eu aceitei. É a trágica aventura de existir. Não fomos feitos para nada. Estamos apenas jogados.

Hoje é meu aniversário de 17 anos. É irônico saber que vai morrer no mesmo dia em que nasceu. É como um ciclo perfeito se fechando.

Enquanto o mundo desaba lá fora, minha vontade é fechar meus olhos e dar adeus à realidade e a todas as minhas lembranças. Livrar-me de vez desta dor momentânea e daquela que sempre me acompanhou. Mas luto para manter-me acordada. Preciso continuar focada. Ainda preciso fazer mais uma coisa.

Meu cérebro começa a funcionar como um relógio. Posso ouvir o tique-taque em contagem regressiva. Concentro-me na minha respiração ofegante e levanto-me com um grunhido. Saio da sala com a arma bem segura nas duas mãos.

Nunca Olhe no EspelhoOnde histórias criam vida. Descubra agora