Capítulo 1

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[18/8/2019]

  Se eu me matasse pela morte de outra pessoa, seríamos dois suicidas, uma suicida e um homicida ou uma suicida e dois homicidas?

  "Cris! Se não levantar dessa merda dessa cama em 10 minutos, EU BOTO FOGO NESSE QUARTO!"

  Escuto a voz que já fora tão alegre ao anunciar o início da manhã, agora berrando na minha porta. Suponho que mesmo sendo tão cedo, ela já esteja um pouco bêbada.

  Momentos como esse me fazem lembrar da época que eu acordava com "bom dia, flor do dia" no exato instante que o Sol alcançava minha janela, é no momento o menor dos meus problemas, porém o que começou a mais tempo, exatamente 5 anos atrás, na verdade. Parece que o Sol nem mesmo se importa em esquentar os vidros da janela do meu quarto, talvez ele ache que a luz do abajur é suficiente para me esquentar.

  “Já vou”, disse, quase sussurrando, a porta de madeira acabou com qualquer possibilidade de que a frase fosse entregue. A voz do outro lado da porta parece ter entendido o suposto silêncio e saiu a passos pesados pelo corredor.

  Não quero levantar hoje, não consigo ficar de pé. É como se tivesse perdido o controle das pernas. Como se estivessem dormentes. Mortas. Ou no mínimo tivesse o peso de um corpo morto em cima delas. Sei que por mais que não parecessem, estavam vivas, eu ainda sentia o coração pulsando nelas, não apenas nelas como em todo o corpo. E não apenas pulsando, estava pulando, literalmente me batendo. Ele é uma das únicas coisas que tá se mexendo o suficiente, para me torturar. Eu mereço.

  Tive uma noite inteira para associar e compreender a situação e mesmo assim não consigo entender, por que logo agora; e como continuar vivendo depois disso. Fico com raiva de mim mesma por seguir com a minha vida, levantar, tomar café da manhã e pentear o cabelo como se fosse só um dia comum. É estranho perder algo que considerava tão importante e alguns dias depois perceber como aquilo nem faz tanta falta, qualquer ato que não seja chorar, soa como desrespeitoso.

  Desci da cama, abri as cortinas e, vestindo minhas melhores roupas pretas (que se resumiam a uma calça cintura alta e uma camiseta de mangas largas e compridas) olhei para fora, o dia está bonito, é como se o Sol brilhante e a agradável brisa me insultassem e gritassem: "venha se divertir conosco, enquanto seu irmão grita no inferno". Olhei para a base opaca que geralmente uso nos braços, hoje não, ele gostaria de reviver os nossos momentos juntos, todos eles, então não vou esconder nada hoje. Ninguém nunca repara mesmo.

  Deí uma boa olhada no meu quarto, não me admira que seja muito infantil sendo que é o mesmo desde que eu era criança, a cama bagunçada e branca de princesa, a penteadeira, o quarda-roupa e até o baú de brinquedos são os mesmos, todos brancos e “de princesa”, para combinar ter as paredes pintadas de um rosa claro, um janelão e uma porta de vidro que dá para a varandinha, que tem espaço apenas para uma cadeira e nada mais.

  Não pretendo mudar meu quarto tão cedo, gosto dele assim, com a pequena exceção do abajur ao lado esquerdo da cama que está manchado e as bailarinas não tem a mesma graça.

  Saí pegando meu caderninho, desci a escadas me arrastando e quase caindo a cada degrau, é legal pensar que cada parte da escada é um desafio que você supera, ao descer essa escada já estaria perdendo basicamente tudo que tenho, não é muito considerando que a maioria pode ser considerada um suborno.

  “Bom dia”, uma frase que todo mundo já diz quase que no automático, incrível como soa irônico hoje.

  Não houve resposta.

  Mais uma vez no automático peguei uma banana na fruteira e sentei para comer na sala e encarar a televisão, fingindo que me importo com alguma das pessoas desaparecidas/acidentadas no jornal. Alice senta ao meu lado vestindo seu vestido preto simples, que cai liso da cintura pra baixo sem destacar nenhuma parte do corpo, provavelmente em sinal de respeito, ou apenas por ser magra demais para isso.

A cúpula cor-de-rosa do abajurOnde histórias criam vida. Descubra agora