Capitulo 2

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  "Pâncreas" a palavra se repetia sem parar na minha cabeça até ela parar de fazer sentido,

pâncreas
     pâncreas
pâncreas
     pâncreas
hum, palavra engraçada

  Teriam mais papéis? Um milhão de teorias invadiam meus pensamentos, atropelando umas às outras, impedindo qualquer um de se desenvolver com clareza e tropeçando em si mesmos. Formou-se a imagem de vários bonequinho ovais, com pernas e bigodes coloridos, correndo de um lado pro outro, cada um gritando a própria teoria, alguns estavam dentro de tratores que carregavam palavras como “Absurdo”, “Impossivel”, “Assassinato”, “Negligencia”, “Mentiras”, esses tratores passavam atropelando quaisquer outros bonequinhos que entrassem na frente, indo entregar essas palavras aos correios, que os depositariam diretamente nas casas dos outros bonequinhos desenformados, os pobres coitados que receberam apenas a versão sensacionalista e mal informada da história que ainda nem foi contada. Enquanto isso subiam enormes dirigíveis com os dizeres: “Missa pancreática: hoje, no córtex frontal, às 18:30”.

  Levantei sua camisa, a única coisa que sei é que o pâncreas fica na área da barriga ou perto. Mas não tinha nada lá, além da costura que fazem na necrópsia, se tinha alguma ela foi retirada. Corri os olhos por todo seu corpo com atenção, e encontrei mais costuras perfeitamente feitas com linha branca, quase sem nenhum destaque na pele pálida. Novamente puxei elas uma a uma tomando cuidado na hora de puxar e retirar, evitando danificar ainda mais os papéis vermelhos com partes do corpo escritas no final,
Ante braço
              Panturrilha
Cotovelo
a única coisa que meus olhos se focam para ler é isso. Como uma leva a outra, nunca saberei o que tinha no pâncreas ou a mensagem completa. Me recuso a abrir seu corpo puxando a única costura em formato de Y que faz sentido estar ali, na realidade, isso indica que fizeram sim um exame no corpo e a pessoa que comandou essa operação colaborou para esconder isso, por que fariam isso se realmente foi um suicídio? É simples: não foi suicídio, alguém que quis ele morto. Mas por que não esconder todos de uma vez? Por que só o do pâncreas?

  O processo de tirar todos é rápido e ajeitar novamente suas roupas mais ainda, encobrindo tudo, tudo que a polícia preferiu ignorar, tudo que todos preferiram ignorar e seguir normalmente suas vidas.
(Já está morto mesmo)
talvez seja o que tenham combinado de pensar, pensamentos positivos.

  A vontade de correr e contar tudo o que descobri para Alice, tudo que todos esconderam, é grande, mas não o suficiente para superar o medo e a empatia. Não vale a pena. Não vale a pena começar toda perseguição da mídia novamente. Não vale a pena faze-la ver tudo voltar à tona, ainda não. A sensação de culpa e negligência que me davam socos constantes em todas as partes do corpo.

  Guardei todos no bolso traseiro da calça, torcendo para que o preto escondesse a tonalidade extremamente vermelha que a tinta azul da caneta e o papel tinha adquirido. Era difícil, mas estava legível.

  Andei sobre a grama verde e macia até a cobertura branca com uma cúpula de vidro e detalhes dourados, flores plantadas aos pés da estrutura, onde Alice conversava sobre velórios, sentimentos e outros assuntos mórbidos com minha tia, enquanto fumavam. Elas com certeza não me viram.

  "Oh, Cristina meu amor, faz tanto tempo que a gente não se vê, e ainda numa ocasião tão triste, meus pêsames, era um menino tão bom”, disse Tia Rosa, carinhosa como sempre, já veio me abraçando com tanta força que quase consegui sentir suas costelas no abraço frio. Não respondi nada, não tem o que e nem porquê responder.

  "Sabe, eu também perdi minha irmã, antes de você nascer, sei como é”, ela tragou profundamente e retomou a fala. “E saiba que pode conversar comigo a hora que quiser."

A cúpula cor-de-rosa do abajurOnde histórias criam vida. Descubra agora