Capítulo único - A carta

159 31 59
                                    

Hyunwoo,

Quando te conheci pela primeira vez, ainda era um garoto ingênuo.
Um adolescente com uma visão de mundo idealizada, que havia fugido da casa dos pais. Nem sei como ainda chamo aquele lugar de casa, quando as pessoas que lá moravam nem ao menos me amavam. Estava nas ruas, imundo, com o estômago tão vazio quanto o coração e apenas sentindo frio. Mas você me recolheu dentro de seu abraço caloroso.

Me lembro do medo que tomava conta do meu corpo. Estava seguro pelo período de tempo, suas mãos segurando meus braços magrelos enquanto seu pai reclamava no fundo sobre não aprovar de pegar um "moleque qualquer" da rua e levar pra dentro de casa. Mas você apenas ignorou tudo, sendo a muralha de pessoa que sempre foi e me aconchegando.
Não sabia onde estava e o que seria de mim. E realmente, o que seria de mim naquela época se eu não tivesse te encontrado?
Afinal, foi você que me colocou nos eixos novamente. Não adianta negar, pois foi você próprio que segurou minhas mãos e entrelaçou nossos dedos para seguir em frente para um lugar tão assustador quanto a cidade grande.

Posso comentar aqui o dia todo sobre como tive diversas primeiras experiências contigo. E é isso mesmo que irei fazer nessa carta inteira.
Lembro-me de quando entrei em um metrô pela primeira vez. Descendo as escadas lotadas para o subsolo, olhando encantado para as diversas luzes, anúncios e pequenas lojinhas que estavam em volta, até chegar na plataforma para esperar.
Segurei forte em você até o fim da viagem, e quando fui sair do vagão tropecei e quase caí. Mesmo com sua preocupação, ainda conseguimos rir. E sua risada fez meu dia.

Também lembro dos diversos passeios em que me arrastava, me levando em docerias para sempre comprar o meu favorito. As vezes em que me deixei levar pela selva de concreto que é esse lugar tão poluído mas ao mesmo tempo com tanto charme único.
Me recusava a ir para sua escola, afinal estava um ano para trás e você logo iria se formar, mesmo com tantas implicações de sua parte.

Fico grato de relembrar esse final da minha adolescência como algo tão bom, e isso é por sua causa. Hyunwoo, foi você que fez a vida voltar a ter cores novamente.
E deixou tudo ainda mais colorido após terminar o ensino médio e decidir comprar um lugar comigo, um pequeno apartamento em um dos subúrbios.
Conseguimos abrir a pequena lojinha de flores que sempre quis ter com o auxílio de seus pais, e eu fiquei na dianteira apenas ajudando. Os dias eram calmos e perfumados.
Era apenas nós, as pétalas e a caneta deslizando em meu caderno, enquanto você me motivava a escrever mais discretamente. Foi aí que comecei a perceber o quanto era importante ter sua presença ao meu lado.
E também foi nessa que percebi que você tinha oficialmente se tornado meu primeiro amor.

Não vou negar que voltei a sentir aquele medo de antes nessa época.
Eram diversos "e se?" passando em minha cabeça. Tinha quase certeza que você preferia a outra fruta, que deveria ter alguma namorada secreta ou coisa do tipo, e que eu acabaria sendo chutado pra fora de casa mais uma vez.
Mas estava enganado.

Fui pego de surpresa naquele primeiro beijo, ao sentir seus lábios nos meus de maneira tão repentina. Virei um pimentão e você começou a rir.
Foi um desastre, mas extremamente marcante, e do jeito bom. Essa única vez já foi o suficiente para me viciar nos seus doces toques e carinhos.
Passamos nossos vinte anos inteiros nesse amor recente. Duvido que tenha sido a sua primeira, mas nunca me importei com isso. Apenas tinha em minha cabeça o pensamento de te manter o quanto fosse possível. Pois sua pele dourada tornou-se meu porto seguro, e definitivamente tinha a certeza de que não conseguia me ver sem você.

Nossa vida fluiu após isso.
Não acho que preciso mencionar muito. Adotamos nossos dois anjinhos e vimos eles crescerem, conseguimos aumentar a sua - a nossa? - floricultura, fizemos tatuagens idênticas em nossos pulsos, e brinquei que era nossa marca de almas gêmeas.
Fizemos amizades novas, nos mudamos para um apartamento maior, e assim vai. Mas uma carta não presta apenas para contar sobre coisas do passado, não é? Tenho novidades, Nunu.

Hyejin, nossa filha, vai ter um bebê. Nunca achei que iria chegar a ser um avô, mas surpresas sempre chegam em nossa porta.
Parece que foi ontem que segurei ela pela primeira vez em meus braços, tão pequena. É estranho pensar no quanto ela já está velha. Até eu já estou velho!
Ela disse que tem certeza que o Jooheon vai ser o favorito dele ou dela, e achei fofo. Lembra o quanto ela sempre amou o Joo? Até chamava ele de tio na cara dura.
Não sabemos ainda qual é o sexo do bebê, mas ela disse que queria usar o seu nome caso seja um menino.

Retoquei o girassol em meu pulso, já que estava ficando meio sem cor e a última coisa que quero perder é nossa marca.
Mencionando isso, achei aquele colar que você me deu após sairmos da casa dos seus pais. Aquele que tem uma baleia de pingente e algumas estrelinhas, sabe? Na verdade foi o Changkyun que achou.

Todo mundo sente sua falta, Hyunwoo. Não conte para ninguém, mas posso falar que Doowon chora até hoje por causa disso. Ele sempre foi muito sensível desde criança, você deve lembrar.
Eu também choro. É que a diferença é que ainda prefiro me manter forte na frente de todos, para terem a garantia que já superei as mágoas. A vida continua, no final de tudo, e mesmo que queira eu não posso deixá-la ir e ficar ao seu lado.
Nunca irei superar o fato do destino ter te tirado de mim mais cedo que esperava. Tinha as esperanças de que conseguiria manter o plano de te perturbar até os cem anos, te ver envelhecer mais um pouco junto comigo.
Mas infelizmente não foi isso que aconteceu.

Não te contei, mas estou pensando em abrir uma editora. A motivação que você sempre me deu para escrever funcionou, e já tenho um amontoado das minhas histórias publicadas. Uma editora apenas facilitaria o processo.
Queria te homenagear e colocar seu nome, mas acho que seria estranho. Imagino se você pudesse ver ela com "HYUNWOO" escrito, tenho certeza que começaria a rir daquele jeito que os cantinhos dos seus olhos enrugam, envergonhado.

Enfim, sinto saudades de escutar sua voz. De passar a mão entre os fios do seu cabelo, de sentir suas mãos me segurando como seu fosse uma boneca de porcelana. Dos beijos, das risadas, de você em um todo.
Por sua causa, consegui chegar onde estou hoje. Consegui me sentir amado, consegui ter uma família, e tudo isso sem ser julgado. E te juro, nunca me senti tão amado como me senti contigo.
Nossos filhos se tornaram pessoas incríveis, tanto Hyejin quanto Doowon. Eles tem o orgulho de carregar o sobrenome de alguém tão incrível quanto você.

E é isso que tenho a te falar, amor.
Não sei o quanto te agradecer por ter existido em minha vida, por ter me guiado e permanecido comigo até onde conseguiu. Você continuou sendo forte mesmo na doença, e mesmo sofrendo ainda conseguiu sorrir para mim e falar "não se preocupe".
Realmente, acho que somos destinados um para o outro. Almas gêmeas.
Espero te encontrar onde quer que seja, algum dia. Enquanto isso, continuarei te visitando toda quarta feira com o mesmo buquê de girassóis e uma caixinha daqueles doces que sempre comprou pra mim, para eu comer com você.
Eu te amo, eternamente.
Com amor,

Lee Minhyuk.






With love, Minhyuk. - ShowhyukOnde histórias criam vida. Descubra agora