(Narrador)
Um ano depois do encontro de Dog e Dixie.
Três, quatro, cinco e seis. Na sequência, sem pausa, sem respiro, sem vírgula. Um dois três e quatro. Dixie chorava e ele não parava. Amarrada à cadeira, silvertape nos pés e nas mãos. Tinha quantos anos? Vinte e um? Bel aprendia a ler e até que pegava rápido.
Olhava para cima, entre o sangue que escorria de um dos supercílios. Seria um homem bonito se não fosse o contexto. Camisa branca e calça jeans, facilmente reconhecível como um desses advogados ou contadores que circulam o metrô como se carregassem, entre a axila suada e o bíceps de academia, o acordo entre o mundo e o submundo.
Punhos desferidos contra o rosto de Dixie, mas não era isso o que mais a assustava, Dixie sabia apanhar. O que mais a assustava era aquele pequeno cortador de charuto em cima da mesa. Ele era covarde, já percebeu. Uma pessoa que entra na sua casa, te amarra e te esmurra não é lá muito de honrarias.
Aquele ali é cruel. Não vem procurando por ela, para ele, Dixie sabe que é descartável e consola-se, entre uma porrada e outra, de que se morre, Bela vira um cão.
Mas espera não ser vingada. Queria não precisar que a vingassem porque não esperava morrer.
— Desculpe — Ele limpava a mão com a toalha que buscou no banheiro dela, um outro quarto e cozinha num subúrbio calmo e perto do metrô. Tinha uma voz boa de ouvir no pé do ouvido. Pena que soava como um assassino e não como um michê. — Odeio ter que fazer isso.
— Então não o faça! — Engasgou-se com seu próprio sangue e o cuspiu contra ele.
— Reconheço o que você fez pela Dog.
— O nome dela é Bel!
— Não é. — Puxou uma cadeira da cozinha pequena e sentou-se — Escuta-
— Não! Nós dois sabemos que você não vai me matar. Se você me matar, a Bel vai te caçar até no inferno, e nós dois sabemos que você não quer isso. Então por que não caça ela primeiro, e, se sobreviver, volta aqui?
— Eu não posso fazer isso, minha linda.
Um soco-veredito final que a desmontou. Da última vez que mediu a potência de seu braço, uma porrada a mataria num único movimento, mas ela estava certa, ele não queria ter que matar. Acha, do fundo do coração, que a vida da Dog está muito melhor agora.
Bela chegou carregando as compras do supermercado. Já sabia que ele estava ali. O ignorou ao abrir a porta de casa, colocou as sacolas sobre a pia pequena, fechou as cortinas de renda e começou a enxugar os pratos sobre o escorredor.
— Virou dona de casa, Dog?
— É aqui que eu moro e estes pratos não vão se guardar sozinhos.
— Na sua outra casa você não tinha que fazer isso — Virou-se na cadeira e deu de costas para uma Dixie desmaiada, a cabeça pendendo até quase encontrar os joelhos – Então, me conte sobre você. Quanto tempo desde a última vez que nos vimos? Um ano? Senti saudades.
— Também senti.
Ele sorriu, guardando seus pratos na cristaleira de três portas, pendurada na parede. Ele sabia em qual porta ficavam os pratos e isso denunciava muita coisa
— Mas prefiro morar aqui. — Ela retomou.
— Eu posso te ajudar nisso.
— Não quero ajuda.
— Eu sei, mas é isso o que amigos fazem.
— Os amigos também invadem sua casa e batem na sua mãe?
VOCÊ ESTÁ LENDO
Inimigo Público - Qvia Nominor Leo
AcciónLançamento na Amazon: 24 de Junho! [Sinopse]: Um porão de teto baixo, uma goteira que não cessa e uma mulher adulta comendo ração num pote de cachorro. . Entre plenárias e discursos inflamados sobre justiça social e leis, um partido político promove...