Rio de Janeiro, RJ, Janeiro de 2020.
Uma cidade que nunca conheceu o inverno. Não de verdade. Assim é o Rio de Janeiro.
Capital cultural do Brasil, a "Cidade Maravilhosa" é um local de belas vistas, aliadas a sons terríveis. Se não souber por onde anda, você pode sair de uma linda praia com areia clara, quiosques vendendo água de coco refrescante e pessoas de todos os tipos curtindo o sol aconchegante para uma favela apertada e perigosa, com becos escuros, fétidos, úmidos, locais apertados e muros pichados, guardados por homens e jovens pobres sem perspectiva de vida, marginais e soldados do morro, armados até os dentes.
Tudo isso em questão de poucos passos, e antes de perceber o que está acontecendo, já levaram todos os seus pertences e sua vida, dependendo do mau humor do meliante com quem você der a má sorte de trombar. Ainda mais naquele período de férias de verão, quando a cidade ficava lotada de turistas, brasileiros e estrangeiros.
Em dezembro de 2012, um conjunto de tragédias naturais simultâneas pelo mundo que ficou conhecida como Grande Hecatombe castigou a Cidade Maravilhosa com maremotos e tsunamis, engolindo grande parte do litoral e fazendo milhares de vítimas. Felizmente, a alegria e capacidade de se reinventar do brasileiro, e principalmente do carioca, fizeram com que a cidade se recuperasse quase completamente em poucos anos de tamanha tragédia.
Jorge conhecia a cidade. Bem demais até, mais do que ele gostaria. Do alto do prédio de cinco andares da Unidade de Polícia Pacificadora do Pavão-Pavãozinho, comunidade pobre na zona sul da cidade, o policial militar negro e forte observava a baía de Guanabara enquanto fazia seu lanche da noite, uma gordurosa pizza de calabresa feita artesanalmente na esquina mais próxima.
Logo ele sairia para a última ronda do serviço, e não queria subir e descer as ladeiras íngremes com fome. Adorava aquela vista, era uma das mais belas do mundo em sua opinião, sob a luz da lua, das estrelas e dos prédios refletidas nas plácidas águas da baía de Guanabara. Era uma cidade que ele aprendeu a amar, onde vivia sua família, onde ele criou raízes e amizades.
Como a amizade de Kamilla, sua parceira de corporação, que acabara de subir no terraço para lembrar o colega do compromisso.
Era uma mulata gordinha, acima dos cem quilos, de ancas largas, busto médio, boca carnuda, sardas e tatuagens visíveis na pele morena para quem chegasse próximo o suficiente. Seus cabelos cacheados e espessos eram negros, exceto por uma mecha branca que ia do meio da testa até as pontas. Fruto do piebaldismo, uma condição genética rara e charmosa que deixava parte do cabelo ou todo ele grisalho, não importava a idade. Apesar de ser soldado da PMERJ, Kamilla era uma mulher gentil, carinhosa e que acreditava no bem das pessoas. Não que ser uma policial militar fosse sinônimo de ser uma pessoa rude e grosseira, mas era consenso que a maioria dos militares eram duros devido às dificuldades e pressões internas e externas da profissão, aliadas ao risco de vida permanente.
- Tá na hora da ronda – disse ela, já usando o colete balístico por cima da farda cor de chumbo, sentando-se ao lado de Jorge em uma cadeira de praia.
- Quer um pedaço?
- Não, estou de dieta.
- Sobra mais pra mim - respondeu, de boca cheia.
- Como você consegue manter esse corpo se entupindo de porcaria?
Disfarçadamente ela olhava para o torso apolíneo de Jorge, o peitoral largo e o abdômen de "tanquinho" levemente visíveis embaixo da farda apertada.
- Transformo gordura em músculos. Treinando.
- Eu corto comida, faço caminhada e corrida igual uma condenada e não consigo ficar abaixo dos cem quilos.
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Ogum
AdventureJorge é um cabo da PMERJ. Honesto e leal, é casado com a passista Jussara e sua grande amiga é também sua companheira de corporação, a soldado Kamilla. Jorge apenas queria uma vida comum. Mas seus planos são interrompidos quando um ataque da milícia...