1

0 0 0
                                    

– Fui roubada! Fui roubada! – A mulher exclamava tentando manter seu vestido cor-de-rosa longe da densa lama da periferia – Cavalheiros, fui roubada! – Tentou, mais uma vez, chamar atenção dos homens que passavam a cavalo por sua frente, mas nada que dissesse parecia tirá-los de seu próprio mundo – Oh não! Quem me ajudará se sou tão pequena a ponto de homem algum olhar para mim – Suspirou, e em um instante depois, comicamente, um ser menor do que si apareceu à sua frente, "Seria uma criança?", a mulher se perguntava. Mas pelas vestes da menina, já tinha idade para ser do lar.

– Com licença, a senhora foi roubada? – A pequena mulher tinha de erguer o pescoço para encará-la. De perto, não parecia tão jovem, sua face era lisa, mas sua expressão e tom de voz eram sérios.

– Oh sim, um rapaz escuro passou por aqui e levou minha bolsa, o que devo fazer? Os escravos são protegidos por lei agora.

– Creio que sim. Veja bem, a lei os assegura liberdade, mas não lhe dá um emprego para que consigam o eu comer.

– Me desculpe, eu compreendo – Na verdade, não compreendia, mas percebeu que a mulher também era mais escura do que si, e o que tinha falado poderia ser interpretado como rude para ela –, mas preciso dos meus documentos, estou indo à Alemanha, não posso sair daqui me identificando como "Maria da roça".

– Claramente, minha senhora... você parece machucada, gostaria de entrar e limpar os pés, senhora...?

– Nogueira, Ângela Nogueira. É o sobrenome do meu pai, ainda não tenho marido.

– A senhora me parece bem nova para se preocupar com isso, estou certa? – Ofereceu o braço para Ângela, a mesma aceitou, mesmo que julgasse os trabalhadores sujos e embarrados, afinal, estava mais suja do que qualquer um a andar pela rua.

A casa da mulher era à beira da rua, com as cortinas quase caminhando pela calçada; Era branca, alta, mas de apenas um piso. Não possuía grades ou portões, apenas uma porta de madeira tingida de vermelha e sem nenhuma falha aparente. Muito bem cuidada para a região.

– Desculpe-me a grosseria, nem perguntei seu nome... – Ângela disse assim que botou o pé na casa. Tirara os sapatos no lado de fora para não estragar o carpete, e os segurava nas mãos, ansiosa para largá-los em um tanque e encontrá-los brilhando no dia seguinte.

– Eu entendo, senhora, estava apreensiva com a perda de seus pertences – A mulher tomou os sapatos de suas mãos e os entregou para uma moça de estatura similar à de Ângela, alta e esguia. Era branca de cabelos castanhos quase avermelhados, vestia roupas simples, assim como sua provável criada, ou talvez não, já que fora ela quem levara os sapatos embora –. Chamo-me Diana Baltazar, não herdei o nome de meu pai e nem tenho um marido.

Usar o nome da mãe para formalidades – mesmo que tal ocasião não se apresentasse uma – era inédito. Ângela jamais conhecera alguém que não tinha o nome do pai nos registros. Diana era certamente exótica.

– Então, a senhora mora aqui?

– Não. Essa é a casa de minha sobrinha, Milena, tive que resolver negócios na cidade e resolvi ficar por aqui mais alguns dias – Ângela acompanhou Diana até a sala de estar. A casa era limpa e bem decorada, não parecia combinar com uma mulher solteira, na visão de Ângela, jamais que uma mulher solteira conseguiria comprar tudo aquilo. Provavelmente era herdado –. Está com frio? Gostaria de um chá? Café?

– Oh não, muito obrigada, acho que já estou abusando demais de sua hospitalidade.

– De modo algum, é sempre bom receber uma moça bonita – Diana sorriu, Ângela quase teve certeza de que estava flertando consigo, mas descartou a ideia na hora, mulheres não flertam, muito menos se for com outra mulher –. Eu insisto, Milena faz um chá ótimo, você irá se arrepender se não provar.

– Se for assim, não posso negar – Ângela sorriu, mesmo que em sua mente, muitas dúvidas lhe distraíssem.

Mais tarde, no mesmo dia, as duas mulheres estavam montadas em um cavalo, Diana estava com as rédeas enquanto Ângela abraçava desconfortavelmente seu corpo. Já havia andado a cavalo com muitos homens, mas jamais conhecera uma mulher que cavalgasse, era perigoso, bruto, mas de certa forma, quando estava andando com ela, parecia algo calmo e sutil.

O vestido da senhora Baltazar era macio, não era o mesmo que estava usando quando acolhera Ângela da rua, cheia de barro, parecia caro, era bonito, mas nada exagerado, provavelmente era feito sob medida.

– A senhora é acostumada com a cidade? – Diana a perguntou quando passaram pela praça que deveria ser a do centro da cidade.

– Não, vim poucas vezes até aqui, minha família está toda no interior, tive até medo de viajar sozinha.

– Creio que a senhora foi muito corajosa de fazê-lo então, são poucas as mulheres que enfrentam seus medos.

Coragem era a última coisa que pensava que alguém um dia poderia apontar em si, mas Ângela havia gostado do elogio, era diferente do que os homens lhe diziam, e diferente do que as mulheres lhe diziam também.

Quando chegaram na delegacia, Diana amarrou o cavalo e ajudou Ângela a descer. Poderia ser uma mulher baixinha, mas tinha um corpo grande, e bastante força, muito mais do que Ângela.

– Gostaria que eu lhe acompanhasse, senhora Nogueira?

– Por favor.

Jamais entrara em uma delegacia desacompanhada, muito menos prestara alguma queixa. Na primeira vez em que fora roubada, seu pai que conseguiu seus pertences de volta.

– Delegado, podemos falar com o senhor? – Diana entrou na frente, parecia ter a situação sob controle, para o alívio de Ângela.

– Claro, do que precisam, meninas.

Diana pareceu fuzilá-lo com o olhar por alguns segundos, mas logo voltou à postura.

– Minha amiga, senhora Nogueira, teve seus pertences roubados, e precisa deles de volta para uma viagem.

– Entendo... alguns civis disseram que viram um homem negro correndo com uma bolsa, nossos homens já estão atrás dele, ele é o mal de nossa cidade, não é violento, mas dessa vez creio que teremos de levar as coisas mais a sério. Deixe-me seu endereço, senhorita Nogueira, eu farei questão de retornar seus pertences – O delegado se aproximou de Ângela, até um sentir a respiração do outro. Diana percebendo o constrangimento da mulher falou:

– Me desculpe senhor, mas qual seria o nome do criminoso?

O homem se afastou de Ângela, mas manteve o olhar nela por alguns instantes.

– Elias Santos, senhora...

– Baltazar... agradeço pelos seus serviços, delegado, eu e a senhora Nogueira não o incomodaremos mais.

Diana segurou o braço de Ângela e a puxou para fora da delegacia, continuaram andando normalmente enquanto Diana sussurrava.

– Senhora Nogueira, eu preciso da sua ajuda. Eu sei como pegar seus pertences de volta, mais rápido do que o delegado conseguiria, mas eu preciso que não volte mais lá...

– Diana Baltazar Santos, mãos para o alto.

Diana sussurrou um "droga" baixinho e levantou os braços. Ângela, sem entender a situação, fez exatamente como ela.

– Você não precisa, senhorita Nogueira. Mas preciso de um depoimento seu, a senhorita reconhece algum tipo de envolvimento de sua amiga com Elias Santos? Creio que a razão de ele sempre escapar dos policiais possa estar ligada a sua irmã.

AssaltoOnde histórias criam vida. Descubra agora