Capítulo 1 - Fantasmas do passado

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Entrei no corredor mal iluminado, as luzes ora funcionando, ora não. Salas fechadas com uma privada nojenta, uma pia imunda, uma cama dura eram escondidas por portas de ferro fundido e um pequeno teclado digital que permitia acesso à elas. Depois de andar e virar mais alguns corredores exatamente iguais, onde qualquer um que não conhecesse aquele lugar poderia facilmente se perder, alguns pequenos detalhes podem ser percebidos; as mesmas paredes antes descascando pela tinta ressecada, passam a parecer que foram pintadas relativamente recente, os azulejos amarelados ficam mais limpos e as portas parecem mais novas, pouca ou nenhuma ferrugem podem ser vista nelas. A porta que procuro está um pouco mais adiante.

Sala 973.

Um dos guardas passa um scaner em minha identificação presa no jaleco e faz uma breve revista. O outro guarda por sua vez prepara a abertura da porta, digitando o código.

Com o acesso liberado, a porta se abre e eu vejo um homem sentado de forma preguiçosa com as costas para a parede. A porta se fecha atrás de mim com um barulho alto.

- E aí, cara?- Ele sorri de ladino. Não é difícil ver o cansaço em seu rosto, como se tivesse passado noites em claro.

- Oi, Victor.- tento ao máximo esconder a preocupação.

- Como está o mundo lá fora?- pergunta como seu característico tom brincalhão flexionando os braços atrás da cabeça e fechando os olhos.

Dou uma leve risada de seu surpreendente bom humor.

-Sem você pra ficar enchendo meus ouvidos de suas piadas ruins o dia todo? Um tédio!- digo me sentando na ponta da cama.

-Seu senso de humor que é ruim, tão ruim quanto o dos guardas.- o pequeno momento de alívio vai passando.

-Estão te tratando bem?- não escondi minha preocupação desta vez.

- Não, mas podia ser bem pior.- podia jurar que vi seu ficar tenso, mas seu olhar suavizou quando me encarou. De qualquer forma, eu sabia que estar ali era muito sufocante para ele.

- Do que está sentindo mais falta? Das florestas ou das raras noites que passava em casa?- brinquei, tentando deixar o clima mais leve.

- Sinto falta do pôr do sol, de o dia virando noite da minha casa.- eu não esperava por essa resposta, foi mais profunda do que o costume dele. Até Victor percebeu isso.

- Virou poeta agora? Poderia escrever alguma coisa com isso.- brinquei e me encostei ao seu lado na parede. Ele abaixou os braços então apoiei minha cabeça em seu ombro esquerdo.

- Não vou despertar um dom artístico agora. Quando vai terminar aquela coisa?- deu tapinhas na minha cabeça como fazia quando éramos crianças.

- Não é uma coisa, é uma arma de destruição massiva de alta potência, é preciso ter muito cuidado em cada detalhe.

- E quando você fala coisa assim eu só consigo ouvir "blá-blá-blá, vai ficar mais tempo aqui, blá-blá-blá"- dizia isso enquanto gesticulava uma boca com a mão.

- Pra que a pressa? Aproveite sua estadia aqui, faça alguns exercícios, deguste a culinária local..- Victor me interrompeu.

- Nem me fale sobre comida! Eu achava que não sabia cozinhar, depois de comer a gororoba daqui eu poderia estrear um programa de culinária.

- Pior que a comida da mãe, quando o pai desafiava ela a cozinhar?- lembrei do nosso pai olhando de forma desafiadora para a mamãe e as risadas que esses momentos nos rendiam.

- Acho que não chega a tanto.- e nós dois caímos na gargalhada.

- Bons tempos...- eu disse parando de rir.

Além do nosso mundoOnde histórias criam vida. Descubra agora