Capítulo I

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         ''Eu não me lembro das coisas antes da horda, da guerra.... Sei que tinha duas mães e que elas me amavam tanto quanto eu as amava, essa é minha única certeza acalentada por poucas memórias de uma infância doce, uma foto e um ursinho de pelúcia. Em algum momento tudo isso sumiu, não sei quando, porque ou como mas um belo dia era apenas eu, a horda, meus ''amigos''' generais e soldados, e treinamentos duros que eu achava serem bons para mim. Ensinaram que eu devia odiar as princesas, que o fato de ser uma era vergonhoso e eu tinha sorte por ainda estar viva, por ter um novo lar na horda e por minha família ter dobrado o joelho perante nosso mestre e salvador, Hordak. E eu acreditei nisso, por muitos anos.             

           Não me lembro de como era ser feliz antes da horda e eu costumava achar que era feliz com eles mesmo quando todos eram grosseiros e rudes. ''Seja boa, Scorpia. Seja gentil, seja grata. Esse é apenas o jeito deles de ser.'' Eu me dizia todos os dias a cada vez que um ''amigo'' era cruel comigo, eu queria ser como eles, ser uma capitã da horda me abriu muitas portas mas tudo o que eu queria era amigos, mesmo sem entender direito o que isso era. O que poderia ser. Não, melhor, o que devia ser.

          Talvez por isso fiquei tão feliz quando descobri que seria parceira de Catra, uma amiga finalmente! Alguém com quem eu poderia passar meu tempo, criar um vinculo real e sólido! Tudo bem ela ser obcecada por uma ex soldado da horda que tinha se juntado a rebelião, eu podia lidar com isso! Tudo bem ela ser má e rude e tão difícil de se conversar e se importar unicamente em encontrar formas de ferir essa mesma ex soldada e suas novas amigas e impressionar Hordak, tudo bem porque nós estávamos nos tornando amigas do jeito estranho dela, que era muito doloroso para ser sincera, mas era o mais próximo de uma amizade que eu já tinha tido de verdade, então eu estava feliz!    

          Quando Entrapta chegou foi ótimo a nova perspectiva de outra amiga, talvez pelos motivos errados e de uma maneira errada, afinal Catra a fez acreditar que as princesas haviam lhe deixado para a morte, mas ainda assim era bom ter uma nova amiga. Entrapta não era melhor em amizades que eu, mas certamente me tratava bem melhor que Catra. Ela tinha Emilly e era bom ter uma amiga robô. Nós nos tornamos um grupo engraçado de amigas no final das contas e trabalhávamos juntas para que a horda prosperasse, eu vi minha amiga de cabelo lilás se apaixonar lentamente por nosso líder e foi engraçado a forma com que eles interagiam, o jeito que ela parecia se encaixar perfeitamente nele de uma maneira assustadoramente fácil. Ela o entendia, aceitava, queria ajudá-lo a ser uma versão melhor de si mesmo e isso era lindo. Na época eu não sabia o que era amor, então achei que Entrapta estivesse apenas sendo uma grande amiga para Hordak, mas eu descobri muito tempo depois que amigos não se olham como ela olhava para ele.                

            Quando Catra a mandou para a morte eu soube que precisava fazer algo, foi tão difícil assumir que minha, até então, melhor amiga era uma amiga ruim....tão difícil assumir que tudo o que eu tinha por vida, todas as coisas pelas quais eu tinha me disposto a morrer e botado minha fé eram mentiras.....Eu sabia que a horda não era um movimento puramente bom, mas descobrir a extensão de nossa podridão foi uma queda e tanto. Senti que uma parte de mim morria quando confrontei minha melhor amiga e deixei para trás toda uma vida em busca de salvar nossa princesa mecânica indo buscar ajuda na rebelião, com as princesas. Aquelas que tantas vezes eu tinha ouvido serem monstros cruéis em minha infância e aprendera a odiar....E no final, mesmo que de maneira lenta e desconfiada, elas me acolheram, me ajudaram, me tornaram parte da família.

            Eu me juntei a rebelião e fizemos coisas incríveis, incluindo salvar Entrapta, quase morrer, quase destruir o mundo, salva-lo e quase morrer novamente..... E não sei em qual desses momentos aprendi a diferenciar amizade de amor.....Talvez tenha sido quando notei que a forma com a qual Glimmer olhava para Bow era diferente da que olhava Adora: ela o olhava como se ele fosse a coisa mais incrível perante seus olhos, um carinho e uma adoração incansáveis..... e um fogo que eu não compreendia muito bem, mas estava lá a cada vez que eles esbarravam suas mãos sem querer ou que ele a segurava quando ela sofria algum ataque em batalha. Conhecer Netossa e Spinnerella também ajudou muito, entender o que era o amor, como casais funcionavam...Elas eram tão protetoras e amáveis entre si! Mesmo quando brigavam ainda era possível ver amor em seus olhos..... Eu lembrava de Kyle dizendo ter um crush em Rogelio, mas nunca tinha realmente entendido o que meu pequeno amigo loiro queria dizer antes... Então percebi que talvez a obsessão de Catra por adora fosse mais que isso: era amor, mesmo que nenhuma delas fosse capaz de ver. Eu vi, em cada vez que Adora poderia ter matado Catra mas não o fez, em cada vez que Catra a feriu mas nunca mortalmente mesmo quando devia, quando podia, deixando-a fugir nas melhores oportunidades de faze-la prisioneira, no baile das princesas, nos ''Hey Adora'' que ela dizia tão docemente mesmo que fossem inimigas.....Tudo encaixou para mim quando entendi o que era amor romântico e também foi ali que eu percebi: Assim como Kyle crushava Rogelio eu tinha meu próprio crush em uma certa princesa das flores.             

       Perfuma era a princesa mais doce e amigável dentre todas as que eu tinha conhecido e logo de cara tentou ser minha amiga, mesmo quando eu ainda era de certa forma o inimigo para elas e estava presa. Acho que no começo eu sequer tinha noção de como me sentia sobre ela! Não sabia explicar porque meu corpo se aquecia com seus toques suaves, meu coração parecia querer sair de dentro de mim a cada vez que ela me sorria daquele jeito tão doce e meigo....Ah, Perfuma sempre tão doce e prestativa me incentivando a não desistir de ter amigos, de ser gentil, de acreditar nas pessoas..... como eu poderia não me apaixonar por ela? Acho que parecia impossível, em retrospectiva eu posso dizer que mesmo quando ainda lutávamos de lados opostos ela era a única princesa que me chamava atenção nas batalhas, mas percebi que era muito além de apenas uma amizade quando fomos em uma missão secreta nos tempos em que HordPrime reinava em Éteria, em busca de alguém que poderia nos ajudar as escondidas numa espécie de baile dentro do mar ou seja lá o nome certo disso... Me lembro de como ela me encorajou a cantar, a forma que dançou comigo e o jeito que nós nos olhamos....eu teria a beijado se não fosse tão tímida e insegura na época e gostaria de ter conseguido guardar a rosa que ela me lançou quando eu cantava no palco como recordação....Mas eram tempos sombrios e precisei ficar para trás garantindo que ela e nossos amigos sobrevivessem mais um dia e talvez assinando minha morte, ou assim eu pensei.

           Me lembro da dor, do medo, da incerteza, de ser incapaz de controlar meu próprio corpo. Eu estava vendo, via meus amigos se ferindo, sabia que eu estava os atacando mas não podia me parar e como era doloroso os ouvir gritando por mim, ouvir Perfuma especificamente me implorando para parar.....Eu tentei, dei o meu melhor e consegui errar um único golpe para que eles pudessem fugir. Eu achei que estava tudo perdido, até que não estava e Bow tinha conseguido tirar nossos chips, desligá-los com uma invenção de Entrapta, e novamente segundos depois tudo parecia perdido outra vez. Me lembro de correr a ver ao longe e como me senti bem em saber que Perfuma estava viva! Claro que ainda estávamos no meio de uma guerra e a morte era, como sempre, iminente, mas ainda assim era incrivelmente bom saber que minha princesa estava viva.

         Quando She-ra salvou a todos a esperança voltou a reinar em Éteria e no meu coração, me lembro de ter ficado muito feliz em ver Catra do nosso lado dessa vez tentando ser alguém melhor, assumindo seus sentimentos por Adora e me pedindo desculpas por tudo que tinha me feito. Mas a primeira lembrança que eu tenho são dos olhos de Perfuma juntos aos meus, seu sorriso inebriante e sua voz me dizendo que eu parecia bem e que estava feliz em me ver, Gélida estava em meus ombros e tudo parecia perfeito demais e um sonho mais do que doce quando a princesa das flores ficou na ponto dos pés e me beijou pela primeira vez: um beijo lento e cheio de carinho, o meu primeiro beijo.           

        Muitas coisas aconteceram desde aquele beijo, diversos encontros e histórias tanto de luta quanto de paz porque quando se está do lado dos mocinhos salvar o dia parece ser um trabalho interminável, mas que realmente vale a pena. Levamos a magia de volta a muitos planetas pelo universo afora e reescrevemos a história...Então talvez eu não me lembre de como era antes da horda, mas sei que estamos fazendo a vida depois dela ser muito melhor e mais feliz, e talvez eu não conheça as histórias sobre minhas mães e como elas eram, como seu amor nasceu....Mas foi assim, meus pequeninos, que a minha história aconteceu e que eu conheci a mãe de vocês e me apaixonei por ela. E vou conta-la a vocês quantas vezes quiserem ouvir, e sobre tudo oque desejarem conhecer. Nós garantimos que exista paz no universo para que nenhum de vocês jamais conheça as tristezas que eu, suas tias Catra e Adora tivemos de conhecer ou talvez a dor que a mamãe Perfuma e suas outras tias conheceram de ver tudo o que amavam ser destruído e sofrer....Vocês vão crescer num mundo repleto de amor e paz e tenho certeza que suas avós estariam muito felizes em poder ver isso.''

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