Era um menino feito de letras e palavras, de sentimentos e pureza. Ele não tinha rosto ou nome, lar ou posses. Tudo o que levava em sua pequena bicicleta eram cores, de todos os tipos: claras e escuras, quentes e frias, felizes e tristes. Estranho não é? Alguém carregar cores por aí. Não posso confirmar, mas é o que me foi contado, que o menino da bicicleta fazia todos os dias o mesmo percurso pelo pequeno vilarejo. Pela manhã pedalava até a feirinha, para onde suas cores levavam sabor para as frutas e cheiro para as flores. Pela tarde, pedalava até o lugar em que as crianças estudavam e adultos trabalhavam, para onde suas cores levavam alegria e inspiração. Pela noite, pedalava por entre as casas, para onde suas cores levavam sonhos e esperança.Entretanto, no pequeno vilarejo havia um casarão, que diferente das outras casas que eram todas amarelas, azuis e vermelhas, não tinha cor, pois o menino da bicicleta não era permitido por lá. O jardim era triste, com flores mortas e grama seca. As pessoas que lá viviam, as quais nunca sorriam, estavam sempre em alerta, de prontidão para expulsar o pequeno menino, caso ele ousasse passar por lá. Mesmo assim, o menino da bicicleta, com toda a sua inocência, decidiu que assumiria o risco de levar suas cores até o casarão, e, dessa forma, em seu percurso foi adicionado mais uma parada. Na calada da madrugada, pedalaria até o casarão, para onde suas cores levariam razões para sorrir.
No início as pessoas que nunca sorriam permanecem relutantes, afinal, viveram todos esses anos sem as cores, por qual razão precisariam delas agora? Mesmo assim, nunca tentaram evitar a passagem do menino da bicicleta, talvez por preguiça de espreitar pelas madrugadas. Com o passar do tempo, todavia, resolveram ceder às tentativas do menino, que colocara tantas cores em sua caixa de correio, que ela parecia a ponto de explodir. Cautelosamente, as pessoas que nunca sorriam se aproximaram da caixa e a abriram e imediatamente algo aconteceu. A grama seca e moribunda assumiu uma belíssima cor verde, como se de repente tivesse encontrado um motivo para acordar de um sono longo e profundo, a tinta cinzenta e triste da casa começou a descascar, revelando pequenos espaços coloridos de um belíssimo amarelo, uma cor tão alegre que fez com que os olhos das pessoas que nunca quase sorriam se enchessem de lágrimas de emoção.
Com o passar das madrugadas, a relutância das pessoas que quase nunca sorriam deixou de existir. A tinta descascava mais e mais, até que o belíssimo amarelo tomou conta do lugar inteiro e trepadeiras subiam pelas paredes, formando lindas imagens coloridas, como tapeçarias tecidas com flores envolta do casarão. Não só isso, como as cores do menino da bicicleta chegaram até os corações das pessoas que agora sorriam, levando até elas o que elas nunca haviam tido: a arte.
E por isso, me disseram os próprios moradores do pequeno vilarejo, que sempre que passam em frente ao casarão, sentem um calor gostoso no peito, felizes ao pensarem nas pessoas que agora sorriem. Afinal, aquela casa era o grande símbolo dos lindos gestos do misterioso menino da bicicleta, o que a mais bela e sincera das artes pode levar para alguém. Era uma forma de mostrar àquele pequeno pedacinho de mundo a importância da arte de espalhar a arte.

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A Arte De Espalhar Arte
PoesíaA Arte de Espalhar a Arte tem como objetivo, como o nome diz, de espalhar a arte; sendo ela em forma de poemas, contos, narrativas, crônicas e mais. Com esse projeto, juntamos a arte de diversas pessoas e colocamos nesse pequeno livro. Assim, podend...