Love is (not) a pain

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A temperatura do quarto era contrastante em relação a do banheiro que, agora, liberava uma grande quantidade de vapor. Taka sentava na beirada da cama, passando a toalha pelos cabelos molhados. Desde que juntaram as mãos e fizeram reverência à plateia que os assistiram por longos minutos, os membros da banda não tiveram muito contato entre si no caminho palco-camarim-van-hotel. Era sempre assim. As mãos se soltavam e então cada um movia-se sozinho, embora não representasse algo ruim, mas sim uma forma de absorção de adrenalina e dever cumprido que deveria ser feita sozinha por cada um dos meninos.
     Sentia cada centímetro do seu corpo doer, até mesmo a ponta dos dedos que seguraram o microfone com a maior das forças. Taka às vezes dizia para si mesmo na noite anterior a algum show que iria se esforçar menos, que iria se controlar mais para evitar que noites cheias de dor e cansaço atrapalhassem suas horas de descanso, mas era impossível. Toda vez que pisava no palco era como se uma onda de choque o invadisse, fazendo com que toda a exaustão que uma hora lhe incomodou fosse embora, lhe permitindo correr e saltar cada vez mais alto. Mas isso era momentâneo. Da mesma forma que o entusiasmo invadia seu corpo ele o deixava, restando apenas uma incógnita: até quando?
     Seus devaneios foram varridos para longe quando alguém bateu à porta. Taka se levantou, colocando a toalha sobre a cama, e foi em direção a maçaneta. Se surpreendeu quando encontrou Toru no corredor do hotel, usando nada mais que uma regata e bermuda. O cabelo úmido deixava claro que o rapaz também havia acabado de tomar banho.
     - Oi – Taka disse – Aconteceu alguma coisa?
     - Posso entrar? – Perguntou. Taka abriu mais a porta, dando passagem ao garoto. Era incomum Toru visitar o quarto de Taka após um show. Tanto ambos quanto Tomoya e Ryota desmaiavam em suas camas por longas horas assim que pisavam em seus quartos. Mas hoje não era um desses dias.
     – Como você está?
     - Eu que te pergunto isso, você que apareceu no meu quarto.
     - Eu vi o que aconteceu hoje, Taka – Toru disse, olhando para o menino que agora fechava a porta e o encarava com dúvida. – No palco. Você estava tendo mais uma das suas crises de dor, não é?
     A mente de Taka clareou. Óbvio que ele viu, pensou. Mais cedo, no intervalo entre a finalização do show e o encore, Taka desapareceu, indo em direção ao banheiro mais próximo e se isolando dentro de uma das cabines. Suas costas doíam tanto que pensou que suas costelas estavam sendo quebradas pouco a pouco. Aconteciam – agora não tão raramente quanto antes – episódios assim onde Taka enfrentava uma quantidade absurda de dor pelo corpo, algumas vezes até mesmo ao vivo, onde a adrenalina não o deixava perceber o quanto sofria, mas uma vez parado era como se seu corpo fosse esmagado por concreto.
     - Não era nada – Mentiu, desviando o olhar e cruzando as mãos – Eu só estava apurado.
     - Eu sei que está mentindo. Você cruza as mãos toda vez que mente, Taka, igual está fazendo agora.
     - Isso é uma coisa estranha de se notar - Disse, colocando as mãos ao lado do corpo, ignorando o fato de Toru saber algo desse nível - De qualquer forma, passou. Estou bem já.
     - Ainda mente - Toru disse, indo em direção ao Taka e o empurrando pelo ombro, que caiu na cama e praguejou, contorcendo o rosto. - Eu te conheço, Takahiro, não pode esconder nada de mim.
     - Eu não teria tanta certeza disso - Disse baixinho.
     - O quê?
     - Nada. O que você ganha com isso? Sabe que eu estou com dor, precisa forçar a situação?
     - Minha intenção não era fazer você sofrer mais - Toru falou, agora se sentando ao lado de Taka, depositando a toalha molhada no chão. -, mas sim fazer você admitir a sua realidade. Até quando vai continuar fingindo? Até que não consiga mais andar ou então me matar de preocupação? Até quando, Taka?
Até quando? Essa pergunta martelava sua mente há meses, mas nunca havia dito em voz alta. Deixava ela guardada lá no fundo, onde, caso se esforçasse, poderia desaparecer. Mas agora ela havia sido levada até a superfície e escancarada diante de seu rosto por um garoto que franzia as sobrancelhas e agarravam os lençóis com tanta força que deixava as juntas de suas mãos brancas. Taka sabia que, embora fosse ele quem sentia as dores, não era o único a ficar machucado. Ryota e Tomoya sempre estavam atentos quanto as suas condições físicas, alertas quando Taka apresentava o menor dos sintomas, sempre a postos com remédios e compressas quentes. Toru era mais quieto, não fazia alarde e raramente expressava algo maior que uma singela preocupação, mas sempre segurando a sua mão enquanto descansava e massageando onde quer que doesse. Poucas pessoas tinham o privilégio de serem tocadas por dedos tão precisos como os de Toru, mas Taka era uma delas, e embora a situação não fosse das melhores, a sensação estava longe de ser ruim.
- Eu não sei - Olhou para o menino de cabelos vermelhos a sua frente e desviou o olhar logo em seguida. Estivera tão imerso em seus pensamentos que não havia percebido a realidade em que se encontrava. Com a agenda totalmente lotada, eram raros os momentos em que os meninos conseguiam ficar sozinhos, e estes geralmente aconteciam quando iam dormir. Então ficar sozinho com Toru - em um quarto de hotel - era a raridade das raridades. Contudo, Taka não se importava muito em pular momentos como esse. Ficar sozinho com Toru, ou até mesmo perto dele, era como formar uma nuvem de tempestade sobre sua própria cabeça, chovendo sentimentos e sensações sobre seu corpo. Toru era um turbilhão de ações que se anulavam constantemente. O coração de Taka parecia perder todo o peso sempre que o via, e então batia duas vezes mais rápido que o usual, fazendo o garoto se indagar se era possível que sua caixa toráxica arrebentasse e o órgão saltasse para fora de seu corpo, pulsando como uma bomba relógio. Ter Toru ali, naquele momento, era como pedir para morrer e renascer logo em seguida. - Eu tenho medo.
- Medo de quê? - Perguntou, apoiando a mão sobre o colchão para olhar Taka mais de perto, que mantinha a cabeça abaixada.
- Medo de acabar com tudo. De ser o responsável por tudo isso - Taka disse, levantando a cabeça e encarando Toru com olhos marejados. - De não conseguir evitar o inevitável. Você sabe do que eu estou falando, Toru. Nós não somos mais jovens. Ryota e Tomoya têm famílias, a vida deles não depende mais de nós quatro. Eles acharam outros motivos pelos quais vale a pena lutar, e logo você fará o mesmo. Logo achará algo que também é ridiculamente bom, e então cada um seguirá seu rumo. Todos esses anos serão deixados para trás, como uma memória, e então esqueceremos. Tudo não passará de um borrão. E eu não quero ser responsável por esse borrão.
Toru entrelaçou os dedos com os de Taka. A mão do garoto era diferente da sua. Ao invés de dedos grandes e calejados haviam dedos macios e esguios. Era sempre cauteloso nesses momentos, sempre atento. Tinha medo de acabar cruzando limites que não eram para serem cruzados. Taka tinha defesas que o cercavam constantemente, sempre barrando que o que sentia e barrando o que os outros sentiam. Toru queria quebrar essas muralhas que cercavam seu coração e ver o que realmente pulsava ali, não apenas sangue, mas ideias, amor, ódio e impulsividade. Em alguns momentos Taka deixava sua guarda baixa, geralmente quando compunha ou performava. Olhar para Taka nesses momentos era como ver o pôr-do-sol, algumas vezes laranja, amarelo e vermelho. Outras vezes rosa, roxo e azul. Ou então cinza. Taka estava cinza agora. Toru não gostava de cinza.
- Você não pode tentar abraçar o mundo com os dois braços, Taka. Não pode ignorar os próprios limites com o intuito de evitar que os outros se machuquem. Você pode decidir dar uma pausa, ou então acabar com a banda - Toru disse, levando a mão do amigo até o próprio peito. Tinha consciência que seus batimentos estavam descompassados e tão acelerados como um raio descendo ao chão, mas ainda assim o fez. -, mas isso vai muito além de você. Nós fazemos parte disso. Nós quatro. Somos a essência da banda, como a alma de um corpo. Não pode ser o responsável por tornar tudo um borrão, pois isso significa se esquecer de nós e, consequentemente, de você. Exceto se você quiser se perder de si mesmo, o que eu duvido que queira.
O tecido fino da regata de Toru não era o bastante para bloquear o calor que emanava da pele do garoto. Taka sentia o coração rápido bater contra seus dedos e a temperatura elevada esquentar sua palma. Era como acariciar uma chama, com a diferença de que Toru nunca o machucaria. Era reconfortante, pensava, sentir alguém tão vulnerável quanto si mesmo. Ver outro par de olhos brilhantes e vivos, como imaginava que os seus ficavam toda vez que olhava para Toru. Seus ombros relaxavam apenas para tensionarem novamente até fazer os músculos queimarem, como um ciclo infinito de prazer e dor. Assim era amar Toru, prazer e dor ao mesmo tempo. As borboletas em seu estômago voavam alarmadas, trombando aqui e ali até caírem exaustas, voando novamente momentos depois.
- Você não odeia? - Perguntou, apertando mais os dedos contra a pele de Toru. - Ver que tudo o que lutou para construir está deslizando por entre seus dedos como areia? Não me culpa por isso? Não sente nem um pouco de raiva dentro de si quando me encontra assim, ou então quando ouve meu nome?
- Taka... - Toru pareceu espantado com as perguntas, como se recebesse um balde de água fria. - Como eu poderia sentir tais sentimentos quando estamos falando de você? É impossível para mim sentir qualquer coisa além de amor por você - Com essa frase, Toru arregalou os olhos ao mesmo tempo que Taka, que o olhava com uma expressão indecifrável. Não planejava ir tão além. Não planejava nada daquilo. Sua mão subiu ao rosto de Taka, afastando uma mecha pequena dos olhos do garoto. - Eu não te culpo. Como eu poderia, Taka? Como eu poderia? Você fez mais do que apenas realizar meu maior sonho, mas me mostrou muitos outros que eu, sozinho, não conseguia perceber, e eu realizei todos eles do seu lado, cada um deles, sem exceção. E eu quero realizar outros, se me permitir. Quero realizar os seus também, Taka. Se me permitir andar ao seu lado. Se me permitir ficar com você. Se me permitir...
Toru não conseguiu terminar a frase, pois Taka agora segurava sua nuca e tocava os seus lábios nos dele. Um beijo rápido, simples, mas que liberava uma quantidade absurda de sentimentos, maior do que qualquer frase dita anteriormente ou então no futuro.
- Eu permito - Disse enfim, segurando o rosto de Toru com ambas as mãos e olhando fundo em seus olhos castanhos. - Eu permito. Eu permito. Eu permito. Por favor.
Toru entendeu, puxando Taka para mais perto pela camiseta e iniciando o beijo novamente. Lento. Quente. Apaixonado. Sua mão direita puxava a camiseta ainda mais para perto enquanto a esquerda envolvia a cintura do rapaz. Taka puxou Toru para frente, fazendo com que ele deitasse sobre seu corpo na cama, seus cabelos - agora não tão úmidos - causando cócegas em suas bochechas. Levou sua mão até os fios, acariciando, entrelaçando os dedos. Toru acelerava a velocidade dos seus lábios, fazendo sua mão passear pelo tronco de Taka, que se encolhia aos toques em sua pele. Seus dedos deslizavam pelas costelas do garoto, descendo uma por uma como as cordas de sua guitarra. Taka separou o beijo arfando, os lábios vermelhos. Toru o olhava como se decorasse cada centímetro do seu rosto, como se ele fosse uma exposição de arte num museu que ficaria por tempo limitado, como se fosse a última vez que a veria. Pensar nisso fez o coração de Taka apertar. Queria ver Toru todos os dias, todas as horas. Queria sentir sua mão na dele, queria ser acariciado pelos dedos talentosos por todo o seu corpo, queria olhar para o par de olhos como se fossem a única luz em meio a escuridão.
- Eu te amo - Taka falou, passando os dedos pela franja de Toru e em seguida por sua têmpora, descendo até os lábios. - Eu te amo, Toru. Eu te amo hoje, te amei ontem e te amarei amanhã. Isso é possível? Amar tanto alguém?
- Se não fosse eu não estaria aqui - Toru respondeu, o beijando mais uma vez. - Você sentiu meu coração, e você me contou sobre o seu. Por tanto tempo esperei para que dissesse isso para mim. Para mim, Taka, não para o público, e você o fez. Eu não poderia ser mais grato por isso. Eu te amo, Takahiro. Eu te amo.
Taka sorriu ao ouvir tais palavras, as sentindo ficarem marcadas em seu coração como cicatriz. E assim como uma cicatriz, o amor dele pelo Toru e pela banda era eterno, irreparável, tão verdadeiro quanto uma promesa, tão poderoso quanto uma confissão.

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