Estúpida Paixão

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"Eu gosto de você

E gosto de ficar com você

Meu riso é tão feliz contigo

O meu melhor amigo é o meu amor"

Velha Infância – Os Tribalistas


Vou contar uma coisa: estar apaixonada pelo seu melhor amigo é um saco! Eu gostaria de escrever em um cartaz gigante com tinta neon a seguinte frase: "Não se apaixone pelo seu melhor amigo porque isso é pior do que bater o dedinho do pé na quina da mesa". Então, eu ia colá-lo no mais alto prédio da cidade para que qualquer pessoa pudesse avistar e pensar duas vezes antes de deixar com que seu coração babaca demonstre interesse por este tipo específico.

Atualmente eu poderia classificar a minha vida amorosa como um clichê de filme americano onde a mocinha descobre estar perdidamente apaixonada pelo melhor amigo. No entanto, de filme, a minha vida só tem a parte das tragédias mesmo. Ou as vergonhas. Além do mais, em filmes adolescentes da Disney ou Nickelodeon, a mocinha bobona sempre conquista o melhor amigo e acabam juntos no final, e, bem, não é exatamente isso que está ocorrendo por aqui.

Eu soube que algo de muito errado estava acontecendo comigo há exatamente duas semanas, quando estávamos vendo Annabelle na minha casa. Em uma das cenas, Daniel (o dito cujo) se assustou e, sendo o habitual dele, começou a rir com a mão espalmada sobre o peito. Olhou para mim e me abraçou de lado, encostando a cabeça na minha. Estava escuro, nosso rosto sendo iluminado apenas pela luz que vinha da TV, e ele estava próximo demais. Em seguida, afastou o corpo bem pouquinho, o rosto pertinho do meu, e perguntou se eu não tinha me assustado também. E foi aí que a tragédia, a desgraça, o fim do mundo aconteceu.

De um jeito totalmente absurdo o mundo ficou colorido e coberto de glitter. Pétalas de rosas cairiam do céu e minha cabeça estaria rodeada de corações pulsantes se eu fosse personagem de um desenho animado. De repente, eu já não sabia mais como respirar direito. Meu coração palpitou e minhas mãos começaram a suar. Fiquei preocupada. Pensei que estivesse morrendo. Imaginei os Tribalistas cantando ao fundo Velha Infância como a nossa trilha sonora. Inconscientemente, levei a mão até a sua bochecha e acariciei. Daniel estranhou e, dessa vez, se afastou para valer.

- Ei, o que está fazendo? – mesmo achando esquisito ele sorriu um pouco.

Saí do transe e interiormente comecei a surtar.

- Er... estava... estava sujo... aqui. – esfreguei sua bochecha com o polegar, de um jeito bruto demais, e rapidamente voltei a encarar a TV. Daniel deu de ombros e retornou a atenção para o filme, sem desconfiar de coisa alguma.

Nada daquilo tinha acontecido antes, pelo menos não perto dele, e nunca com tanta intensidade. Foi quando eu soube que estava muito ferrada.

Desde então, sigo nessa agonia sem fim.

Daniel e eu nos conhecemos desde o jardim de infância, quando ele tinha quatro anos e eu cinco. Mudei para Busan por conta do emprego dos meus pais. Eles são corretores de imóveis e naquela época receberam uma oferta irrecusável para trabalhar em uma das empresas afiliais na Coréia do Sul. Eles nem hesitaram, e em apenas uma semana após a grande oferta, já estávamos embarcando com todas as nossas tralhas. Ou parte delas.

E olha que nem sabiam nada do idioma coreano, mas não fizeram disso um obstáculo. É algo que me faz ter orgulho dos meus pais. Sempre corajosos e determinados. Gostaria de ter herdado tais características.

Eu lembro que fiquei chateada com toda aquela situação. Eu não queria deixar o Brasil, ainda mais para morar em um lugar em que a língua era estranha e difícil. Você pode imaginar o quão complicado foi para uma garotinha de apenas cinco anos ter que se adaptar em um país tão diferente. As únicas coisas que eu gostava em relação ao Japão eram Dragon Ball, Pokémon e Sakura Card Captors. Sim, porque, naquela época, eu achava que todo mundo que tinha olhinhos pequenos eram japoneses.

Eu só queria voltar para casa.

Então ele apareceu.

Um dia, estava eu no parque da escola sentada em um dos balanços, isolada, apenas observando de longe as criancinhas coreanas brincando animadas, gritando coisas incompreensíveis. Eu estava prestes a chorar e gritar pela minha mãe quando vi uma mãozinha me oferecer um gummy bear vermelho. Vestindo uma camisa branca e macacão azul claro, Kang Daniel me observava com curiosidade enquanto sorria. Ele disse algo que, obviamente, eu não entendi, mas gostei dele. Desde então não nos desgrudamos mais. Mesmo que o idioma fosse uma enorme barreira, costumávamos nos comunicar apenas com o olhar. Era o que as pessoas diziam. Isso porque não viam as mímicas nos bastidores.

À medida que íamos crescendo, Daniel me ajudava com o coreano e eu o ajudava com o inglês e um pouquinho de português. Nos tornamos os melhores amigos do mundo inteiro e isso, agora, complicava a minha situação.

Para você ter uma ideia do nível da nossa amizade, quando eu menstruei pela primeira vez, mesmo minha mãe já tendo me explicado tudo a respeito, eu fiquei desesperada e corri para a casa do Daniel, chorando sem parar. Permaneci o resto do dia agarrada a ele, resmungando o quão terrível seria ter que sangrar todo mês. Tive medo de morrer de anemia. Ele riu e disse que aquilo era normal.

Sabe, às vezes eu sorrio quando essa lembrança me vem a cabeça. É inexplicavelmente maravilhoso quando você se sente a vontade com alguém a ponto de conversar com ela sobre tudo, tudinho mesmo, qualquer coisa, inclusive sobre sangrar pela vagina. E eu tinha a mais plena certeza de que a nossa relação nunca mudaria, até eu descobrir a existência de sentimentos fortes e muito perigosos. Pensar nisso me faz ter o desejo de entrar em um foguete e fugir da Terra. Talvez em outro planeta os seres verdinhos me ensinem como não gostar de seres humanos que são nossos melhores amigos.

Antes dessa esquisitice toda, nós dois costumávamos ficar acordados até às três da manhã, conversando, rindo, falando bobagens, sem dar a menor importância às aulas matinais, ou então, decidíamos andar tranquilamente pelas ruas de Busan. Íamos até as pistas de skate onde Daniel tentava me ensinar a andar sobre o objeto com rodinhas sem esfolar o joelho no asfalto. Quando cansávamos, deitávamos lado a lado em uma das pistas e ficávamos admirando as estrelas que decoravam cada pedacinho do céu. Era muito agradável. Eu adorava passar o tempo com ele. Tudo ficava mais divertido quando Daniel estava por perto.

Mas agora está tudo errado por aqui. Quando o vejo, minhas pernas ficam bambas, minhas mãos suam, meu coração bate do jeito mais louco possível e olha que nem é dia de prova ou apresentação de trabalho quando eu me sinto assim. Fora os pensamentos malucos que passam pela minha mente conturbada sempre que o encontro. Meu cérebro insiste em imaginar Daniel pelado em cima da minha cama coberto de leite condensado. Isso é tão horrível! Eu definitivamente não sei lidar com essa maluquice.

Deus, como isso pôde ter acontecido? Me apaixonar pelo Daniel? Um cara que corre quando vê uma borboleta e grita vendo filmes de terror? Ele é bobo, medroso, bagunceiro e muito esquisito. Acredite. Daniel não tem nada de apaixonante. Tirando o fato de ele ser lindo, gostoso, extremamente gentil, amigável, carismático, fofo, engraçado, sexy, compreensivo, bom amigo e algumas outras coisinhas mais, ele não tem muito de interessante. Não sei que macumba eu peguei para me interessar por ele.

Mamãe que adora puxar o saco desse garoto. Ela jura que ele é perfeitinho e a educação em pessoa. Coitada. Queria ver o que ela ia achar se o visse arrotando dez vezes seguidas após beber um copo de cerveja. Daniel pode ser bem nojento quando quer. Eu sei bem disso. Sei porque sou A MELHOR AMIGA DO MUNDO. Palavras dele. Palavras agora que me irritam profundamente. Digo, claro que amo ser amiga do Dan, mas esse status me impede consideravelmente de ter a língua dele enfiada na minha garganta.

Odeio Kang Daniel. Odeio, odeio, odeio, odeio! Odeio ainda mais o fato de estar estupidamente apaixonada por ele. 

Tem Que Ser VocêOnde histórias criam vida. Descubra agora