-Ei, Hugo! - disse a mãe da Júlia, enquanto buzinava com o carro encostado ao passeio - Não queres boleia?
-Oh, não se preocupe, já não falta muito.
Enquanto a Júlia abria a janela no banco de trás para poder falar comigo, rápidos pingos de chuva começaram a entrar e a molhar o carro. Estava a dar Coldplay.
-Hugo, entra. Sem tretas. Está a chover imenso e tu não tens guarda-chuva.
-Não é um problema, a sério. Eu gosto de andar à chuva - mentira.
-Como queiras.
Vi o carro a afastar-se, o vento soprava-me ar gélido contra a roupa molhada e fez-me desejar estar morto. Não que eu não quisesse boleia, honestamente nem sei porque é que recusei, fui só patético.
Era um daqueles dias que ninguém gosta, em que o céu se torna o salão de festa de violentas nuvens, que cospem, com desprezo, grandes pingos da sua chuva. Até é bacano estar deitado no sofá a ouvir as batidinhas da chuva no telhado, enquanto faço uma maratona de Game of Thrones e como chocapics diretamente da caixa. Mas andar à chuva é um grande não. Mais uma vez, fui patético.
Cheguei ao portão verde e tinha a Júlia à minha espera na entrada. Ela revirou os olhos e entrou comigo.
-És tão estúpido.
-Nada de novo, portanto.
-Eia, que negatividade... Vais almoçar cá? A comida é uma merda mas enfim.
-O que é?
-Bacalhau podre. Dão nomes destes à comida e esperam que eu os leve a sério.
Ri-me.
-Vou ter de comer cá de qualquer forma.
Ela parou e ficou a olhar para mim.
-Estás todo molhado.
-Jura.
-Estúpido. Pára quieto.
Ela sacou de um lenço e pôs-se em bicos de pés para me poder secar o cabelo.
-Então mas... pombinhos, quando é que se comem logo? - gozou o Francisco, que vinha na nossa direção com a Bé e o Ricardo.
A Júlia corou. Eu sorri. Patético.
-Quando decidires crescer. Estás a ficar um bocado infantil para a idade, Kikinho.
-Sempre tão agressiva, Ju! Peace and love, carpe diem, namastê.
-Isso nem fez sentido...
-Acalma-te, escuteira... - Ela rosnou. Tinha andado nos escuteiros durante 7 anos e o Francisco não se cansava de lhe atirar isso à cara. - O que importa é que eu trouxe moedas de 20 e podemos jogar matrecos no intervalo. Que me dizem?
-Bora, shotgun fico com o Hugo!
Sorri. Mais uma vez. Patético.
-Então nesse caso vou ter de ficar contigo, Francisco. - disse a Bé - Ohh mas... merda... a Ju vai-nos dar no rabinho. Ela joga melhor do que nós todos juntos.
-Oh, nada disso...
-Deixa-me que te diga, Ju, essa tua modéstia é tão falsa.
-Ouch. Depois dessa não terei piedade. Vais ser completamente esmagada.
-Meninas, por favor acalmem-se - intervi.
-Não, continuem. Por favor. It's hot - gozou o Francisco.
A Bé deu um estalo na cara do Francisco e ele sorriu para ela. Eu e a Júlia olhámos um para o outro.
-Bé, isso foi só desnecessário - disse o Ricardo, o irmão dela.
Ela estava pronta a responder, mas foi interrompida pelo Francisco.
-Ohh, nada disso, eu gostei - piscou o olho à Bé, que lhe revirou os olhos.
-Okay pessoal, vou ter matemática agora. Vemo-nos depois.
-Xau Hugo!
Bem, eu claramente não estava no curso certo. Não que tivesse uma média terrível, mas não me imaginava a fazer... hum... aquilo para o resto da minha vida. Não entendia nada de matemática e odiava funções, limitava-me a passar as resoluções na aula. Mas eu já estava no 12º ano e não queria de todo voltar atrás, começar do início. Não é que eu soubesse o que queria fazer, de qualquer forma.
Saí imediatamente que ouvi o toque. Eles já tinham reunido na sala de convívio, em redor da velha mesa de matraquilhos. Os manípulos estavam perros e o guarda-redes do Sporting tinha perdido a cabeça. Pun intended.
A Júlia estava em científicos, numa outra turma, a Bé em humanidades, o Francisco em economia e o Ricardo em artes, gostavam todos daquilo que estavam a fazer. Conheço a Júlia e o Francisco desde o infantário e somos melhores amigos desde que nos conhecemos, basicamente. Ele tem cabelo preto, olhos azuis e um jeito horrível para escolher gajas. Uma vez começou a namorar com uma Maria e eu soube logo que havia algo de errado com ela. E tinha razão. Estava a comer o primo.
Na altura, eu e a Júlia shippávamo-lo com a Bé. Ela é muito magra e tem cabelos ruivos ondulados. Tem um conhecimento infinito sobre filmes e séries e está a estudar para se tornar realizadora. Quer dizer, ela não estuda, mas tira 20 a tudo. O Ricardo só começou a andar connosco por causa da irmã. Não é que eu não gostasse da companhia dele, nada disso, mas ele é muito reservado e parecia sempre tão desconfortável ao nosso lado, como se estivesse forçado a andar connosco. Mas a Júlia... ela é diferente. É espontânea, sempre tão confiante... Deixa-me mesmo sem jeito.
-Hugo??? Queres acordar? - disse a Júlia.
-Ahn, o que é que se passa?
-Tens noção que estamos a perder por tua causa? Para a próxima jogo com o Ricardo.
Significado do nome Hugo: Coração, mente, espírito, o pensador ou inteligente.

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Num céu cheio de estrelas
Ficção Adolescente-Por onde quer que comece? -Conta-me o que achas relevante. Antes de tudo preciso de perceber a raiz do teu, hum... tormento, onde é que tudo começou. -Como é que hei de saber onde é que começou? Continuo sem perceber porque é que estou aqui... -Hug...