Parte 1

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Eram 15h45. Como todas as quartas-feiras, Lysandre passou um chá de erva-doce, serviu-se de uma generosa xícara e sentou-se no sofá da sala de estar. Aguardou, mirando o relógio acima da lareira.

Apesar do horário marcado, sua visita ⎼ poderia chamá-la assim? ⎼ sempre aparecia por volta das 16h. Ele levava os atrasos na esportiva e até mesmo se divertia com suas desculpas. Uma vez, a bicicleta enguiçou na lama da estrada. Na outra, foi a chuva. A terceira era que ela havia parado no caminho para comprar biscoitos para acompanhar o chá. Essa, particularmente, era sua preferida, pois só se encontravam biscoitinhos de canela na cidade grande.

Às 16h10, Lysandre escutou as batidas delicadas na porta, resultado de seus dedos finos e delicados. Por um minuto, recordou-se de instalar uma aldrava. Ou uma campainha. Ou a instruir a bater palmas, visto que não recebia quase ninguém além dela, a não ser o leiteiro e os clientes.

― Boa tarde! ― ela abriu um sorriso sincero, fazendo-o imaginar qual era o limite de sua afeição por ele. ― Estou muito atrasada?

― Não muito... imagino que tenha sido por um bom motivo.

― Foi. Trouxe algo para você. Espero que seja agradável.

Lysandre ergueu uma sobrancelha, abrindo a porta um pouco mais para que a jovem entrasse. Seu rosto estava corado das generosas pedaladas, o que a fez retirar a blusa fina que usava. O outono na região era bem fresco, então calculou que ela fosse requisitar a blusa em breve. Prontamente, segurou-a nos braços e sorriu minimamente.

― Fiz chá ― anunciou ele, como de praxe.

― Eu espero a semana inteira por ele. Muito obrigada, é muito gentil da sua parte.

Lysandre assentiu com a cabeça, sentando-se na poltrona. A jovem o acompanhou, escolhendo o sofá em frente de si para se aconchegar. Lysandre a aguardou deixar a bolsa sob a mesa, bem como o bloco de notas e a caneta. Apesar da rotina parecer hostil de início, ele começou a achar reconfortante após certo tempo. Servindo-se da segunda xícara de chá e a primeira para ela, sorriu uma vez mais.

― Como vai hoje, Lysandre? Fizemos algum progresso desde semana passada?

Ele fechou os olhos, suspirando. Isso o fazia ter mais calma e não dizer besteiras ⎼ afinal, sua cabeça já fazia isso em seu lugar. Por sorte, a jovem não o censurava; pelo contrário, parecia ter todo o tempo do mundo para escutá-lo resmungar.

― Não. Ainda, nada.

Ela assentiu, mordendo os lábios de frustração. Emma, para ele não mais que "srta. Perrin", sabia bem controlar suas emoções. Apesar de não ser nenhuma terapeuta, apenas assistente social, Lysandre a tratava com o respeito como se fosse.

― Entendi. Não há problema. Então... semana passada nós conversamos um pouco sobre o seu irmão. Você falou com muito carinho dele, e como me dei a liberdade de olhar seus livros na estante, trouxe uma coisa para te distrair essa semana.

― É mesmo? Não precisava se incomodar...

― Não é incômodo, Lysandre. É o meu trabalho.

Dando-se por vencido, ele observou-a retirar da bolsa um livro mediano. Deixando-o sobre a mesa, Lysandre analisou a capa. Abriu um sorriso quase que instantaneamente com o conteúdo da sinopse, bem como srta. Perrin, que aguardava sua reação.

― É um romance histórico centrado em irmãos. Há mais deste, um para cada irmão. Se gostar do primeiro, posso trazer o próximo quando vier novamente.

― Está bem... obrigado...

Srta. Perrin respondeu-o com um gole da xícara de chá. Lysandre se considerava uma pessoa calma, no entanto suspeitou que a jovem diante de si reagiria ao fim do mundo com um breve aceno de cabeça.

O inevitável destino de um homem sem memóriasOnde histórias criam vida. Descubra agora