A morte.

54 3 0
                                    

Vazio. É como acredito estar depois de tudo. E por mais que eu me questione sempre sobre o que seria esse “tudo”, sempre chego à conclusão de que não é nada. Não tenho nada. Nada que me faça sentir tudo. E por mais absurdo que seja tudo isso, meu único desejo é saber definir os extremos dos meus pensamentos. Sabe quando você para e se observa? Você olha dentro da sua alma e procura alguma lógica para o caos que habita lá dentro. Aquele que ninguém consegue ver tão bem quanto você mesmo. De certo, muitas pessoas têm histórias e algumas delas devem trazer para os seus corações algo que transforma, que impacta, que jamais vai permitir que sejam de novo quem eram antes delas acontecerem.
Eu tenho uma história. Tenho muitas. E em cada uma delas deixei um pouco de mim no passado e peguei um muito do outro para presente. Não posso precisar que é um muito bom ou um muito ruim, o que posso dizer é que: é muito. E desse muito me crio e me renovo sem esquecer do pouco que hoje é o muito de alguém. As coisas que penso são confusas, mas as que digo são as que mais se distanciam destas. A boca e a mente têm canais diferentes. Na boca há filtros, na mente, esponjas. Não falamos o que queremos, mas absorvemos tudo aquilo que é dito e não dito pela boca. Acredito que isso seja um fator que ajuda a moldar o nosso pouco. Tem algumas palavras que você sabe de cor, porque marcaram profundamente.
A minha história começa com o final de uma. Nada de romance, porque o amor é uma faculdade que a minha mente ainda não conseguiu alcançar com plenitude. A história que me refiro é a da morte que devasta mais a quem fica do que a quem foi. Penso comigo quantas palavras eu quis dizer a quem já se foi, mas que hoje só posso dizê-las através da mente. Alguns pedidos de desculpas por não ter vivido com maior intensidade o momento, outros agradecimentos pela honra de ter participado da sua jornada curta de vida. Palavras e palavras. O grande desafio da morte está aí, não poder falar mais. Contentar-se com uma foto ou um cheiro que ficou preso no travesseiro. Queria que soubesse hoje sobre o que sinto sobre sua partida, sobre o quão doloroso é para mim lembrar que você não está mais aqui, mas isso tudo porque não posso mais dirigir minhas palavras a você. Você simplesmente não está mais.
Pessoas acham mórbido ou aterrorizante falar da morte, porque ela não costuma trazer alegria. Mas sabe, a sua partida me trouxe tantos aprendizados que consegui extrair o bom de algo comumente péssimo.
Pessoas partem e com você isso não poderia ser diferente. Pessoas não precisam se despedir, elas simplesmente podem ir. Nem todo mundo precisa ouvir até a última palavra, até porque ninguém fica até esse momento. A dor é inevitável, porque em algum momento ela vai chegar para todos. O segredo é saber lidar com ela. Não sei se soube fazer isso, mas acho que aos poucos driblo o empecilho de saber que após a vida, há a morte.
Meu vazio atribuído a essa história é devido ao fato de ficar anestesiada por tempo suficiente para não conseguir sentir as coisas com muita precisão. Tudo parece levar ao mesmo sentimento, e ele é tão inerte, é tão neutro que você não consegue dizer se é bom ou ruim. Por um momento me sinto indestrutível, porque acredito já ter sentido a pior dor do mundo, dor esta tão poderosa que nenhuma outra conseguiria se igualar para me sucumbir novamente. Mas em uma outra perspectiva, me sinto frágil e vulnerável, como se algo dentro de mim estivesse profundamente ferido e gritasse silenciosamente por socorro.
Eu não temo a morte. Temo a perda. Porque dói muito quando tiram de você aquilo que acreditava que teria para sempre.
E sabe o que me lembra a morte? A saudade. Essa pequena sanguessuga pode consumir nosso ser de dentro para fora. A saudade é o mal de quem sente e é a ruína de quem sente muito. Quantos Intensos vivem por aí com uma saudade no peito que o aperta até duvidarem de que ainda pulsa. Os Intensos são uma classe de pessoas que extrapolam na dose do sentir. Fazem de uma gota um mar para quem precisa ser saciado. Nunca os pergunte sobre o que sentem, pois não vão se contentar em apenas dizer “bem” ou “mal”. Eles vão detalhar o que a alma sente e vão fazer você sentir o mesmo. São espécies raras. E em mundo superficial, os Intensos se sufocam cada vez mais. O poder de converter gotas em mares parece ter se tornado fútil. Sentir é algo que nem todo mundo deseja mais, pelo menos não agora.
A minha teoria é de que em algum momento, todos foram Intensos, mas com o passar do tempo foram se machucando e começaram a desejar não sentir mais as coisas tão profundamente. E isso se alastrou como uma droga. Mas afinal, quem gostaria de ser machucado? De certo que é algo inevitável, mas confesso que quanto mais pudermos adiar esse momento, melhor. Ninguém está pronto para sofrer. Por que estaríamos? E por que é tão normal hoje estarmos machucados? Houve um tempo que fomos felizes de verdade, que éramos Intensos e amávamos falar sobre nossas experiências de escola ou de namoricos. Amávamos fácil demais e esse amor germinava, não era tóxico. E não entendo o que seja um “amor tóxico”.
Mas amor não é o assunto de agora, são precisas muitas páginas escritas para que eu consiga entender o que é o amor.
Por enquanto, a morte me basta.

A falta de uma palavraOnde histórias criam vida. Descubra agora