Capítulo V - Árvore, mar, lareira; ar

21 1 0
                                    

— Sabia, sábia, sabiá... – dizia a criança, em baixa voz, quase como se falasse apenas para si. – O que vou perguntar?

Havia uma mulher em companhia da criança. Ela começa a olhar com maior atenção, como se esperasse alguma fala.

— Você quer me contar alguma coisa? – pergunta a mulher, segurando as mãos da criança à medida que tentava ficar em uma altura próxima para olhá-la.

— Não sei. – responde a criança, pensativa. – Por que o céu é azul?

— Há muitas explicações para isso. – dizia a mulher, com uma voz suave, transmitindo calmaria. – A que eu mais gosto é a que aprendi quando tinha sua idade.

Eu não mencionei ainda a você, mas as duas personagens estavam a caminhar em um ambiente de amplo contato com a natureza e pararam na zona de um lago. Sobre o título do capítulo, não me pergunte o porquê. Talvez esteja assim disposto por existir um ar de semelhança na grafia dessas palavras.

— Você pode me fazer aprender também? – pedia a criança, com olhos brilhando de anseio em ouvir mais da explicação. – Eu quero muito saber.

— Claro! – responde a mulher, desarrumando o cabelo da criança como demonstração de afeto. – Veja essa água. – a mulher e a criança se aproximam do lago para melhor visualização. – Azul, não é? Meus ancestrais costumavam falar da existência de água no céu de nossos mundos.

— Água no céu de nossos mundos?! Eu pensava que apenas Aurantia existia como único mundo. E por que essa água do lago se mexe, mas a do céu não? – indaga a criança, atônita.

— Há mais mundos em águas abissais e misteriosas do que astros celestes. As águas de lá se mexem também, apenas estamos distantes demais para ver esse movimento. – responde a mulher.

— Distância de espaço? – questiona a criança.

— E de tempo. – complementa a mulher.

Ambas param por um momento. Talvez seja por nos ensinarem que espaço e tempo são medidas separadas. Fala-se de quilômetro por hora, de metro por segundo, como unidades que não possam ser hifenizadas. Mas será mesmo? O que é possível aprender com espaço-tempo? É difícil o trabalho com um.

— Mas eu vejo as nuvens de Aurantia se mexerem. Existe água nelas também? – perguntava a criança.

— Sim. – afirmava a mulher. – Água e ar nesse caso. Por isso que o movimento se torna mais visível. O ar é tão volátil que altera rapidamente o movimento daquilo que o acompanha.

— Você me dizia que viver é mobilizar-se. – dizia a criança, fazendo uma expressão de tentar relembrar algo ao pegar uma rocha em mãos. – Essas pedras próximas ao lago não fazem movimento algum.

— Mas já se movimentaram muito até chegarem nesse estado. – replicava a mulher. – E há água nelas também, a diferença é que a quantidade é menor. Como uma esponja, a terra absorve facilmente a água. Mas quando a terra é muito trabalhada até se tornar uma rocha, pode se tornar como uma carapaça e impedir ou dificultar bastante qualquer água passar. Por isso que o movimento é quase imperceptível.

— Insereptivo? – tentava a criança pronunciar. – O que é isso?

— Imperceptível que se diz. – responde a mulher, rindo um pouco com a situação. – Quer dizer que é algo muito difícil de se visualizar. Porém, veja: existe todo um ecossistema aqui graças a essa rocha. Você não consegue visualizar tudo de igual modo, mas olhe quantos seres dependem dessa rocha para seguir com sua vida diariamente, isso também é tornar-se móvel.

— Isso é verdade. Eu vi musgos, fungos e alguns insetos ali. – concorda a criança. – Mas eu ainda não entendo. Tem água no fogo? Eu acho que não. E por que ele se movimenta muito rapidamente?

— Por mais que exista uma procura em não cair em oposições ou, di-digo ... – responde a mulher, se corrigindo. – Complementos nesse caso. Por mais que exista essa procura, vai haver uma tentativa antagônica. Existe água no fogo também, mas ela está tão ínfima que aparece apenas em sua composição primária e em suas lembranças.

— Lembranças? – questiona a criança.

— Sim. – responde a mulher. – O fogo se movimenta rapidamente porque quer aparentar ser averso à água quando em verdade quer se tornar mais próximo dela. É preciso muita água para apagar uma peguena faísca.

— Que viagem! Mas o que é diferente esse movimento do fogo do movimento do ar? – pergunta a criança.

— O próprio movimento. – responde a mulher, sorrindo. – O ar leva movimento rapidamente a outros, e o fogo tem uma ampla velocidade concentrada em si. Talvez o fogo seja mais rápido do que o ar. Talvez o ar forneça alguma contribuição para isso. Mas o movimento do fogo é diferente, tende a ser mais fixo, constante.

— E como tudo isso surgiu? – indaga a criança.

— Surgiu em viagem, como você respondeu. – diz a mulher, rindo mais um pouco com a situação. – Não se sabe ao certo como isso se originou. Por isso que não podemos afirmar tais argumentações com tamanha certeza. Talvez esses elementos tenham fontes em Sol e Lua também.

— E-eu continuo sem entender. – diz a criança, confusa.

— Isso é resultado de outra história mais anterior. – afirma a mulher. – Pelo que lembro, o Sol teria sido fonte para fogo e ar enquanto que a Lua seria a fonte de água e terra.

— Existe fogo na rocha? – questiona a criança.

— Eureka! – confirma a mulher, sorrindo.

Não é muito comum exclamar "Eureka!" no cotidiano, a menos que você esteja em uma civilização clássica antiga. Supõe-se que a expressão tenha sido originalmente dita por Arquimedes ao descobrir o volume de uma coroa de ouro sem precisar derretê-la. É no mínimo irônico alguém gritar "Eureka!" ao descobrir como manusear algo sem fogo sendo que o fogo já esteve presente na origem desse material algum dia. O melhor jeito de alterar um metal é, em maioria da vezes, por fundição.

Retornando ao comum da comunicação, a Doutora Horize Panoll faz um pedido antes de conferir a novidade trazida pelos representantes.

— Eu lamento. – dizia a Doutora, com um sorriso no rosto. – Insisto para que me acompanhem. Devo apresentar o ciclo das estações a vocês.

Aurantia | Em EnsaioOnde histórias criam vida. Descubra agora